Av. Central, Rio de Janeiro (virada do século XX) |
Em sua versão brasileira, a Belle Époque se desenvolve nas
regiões mais prósperas do país: São Paulo, Rio de Janeiro e a
região do ciclo da borracha - Amazônia. No presente artigo, nos
concentraremos no Rio de Janeiro, por ser este o local mais
influenciado pelos ideais da Belle Époque.
Primeiramente, importa recordarmos que o nascente regime republicano,
que desejava inaugurar uma nova era no país, visava minimizar tudo o
que lembrasse o Império e a colonização portuguesa, o que
significou aproximar-se das culturas italiana e francesa, como
alternativas, o que acabou por exercer grande influência na cultura
local, começando pelas reformas urbanísticas e, num plano menos
material, atingindo o próprio comportamento e gosto do indivíduo
brasileiro.
No Rio de Janeiro, inspirado pelas reformas de Haussman (então
prefeito de Paris), o prefeito Pereira Passos realiza uma profunda
reforma urbana na capital, visando o saneamento e urbanismo, mas
sobretudo o embelezamento da cidade, que lhe daria ares de cidade
moderna e lhe projetaria como cosmopolita. A cidade ganhou inúmeras
linhas de bonde e teve muitas de suas ruas alargadas, assim como
Paris, que teve suas ruas transformadas em bulevares. Bairros da
classe média carioca e áreas nobres foram criados e o grande cartão
postal da cidade, o Teleférico do pão de açúcar, também nasce
nesse período, precisamente no ano de 1912, logo depois da
inauguração do Teatro Municipal, em 1909 - outro símbolo da Belle
Époque - sem contar os vários cinemas, a Biblioteca Nacional e o
Museu nacional de Belas Artes.
Já em São Paulo, durante a República Velha, a cidade se
industrializa e o auge do período do café tem seu maior símbolo na
construção da avenida Paulista, com suas mansões, e a (segunda)
Estação da Luz, atual edifício. Em 1922, São Paulo abriga a
semana de arte moderna, que foi um marco na história do país e, em
1929 ganha seu primeiro arranha-céu, o edifício Martinelli. As
modificações realizadas na cidade por Antônio da Silva Prado, o
Barão de Duprat e Washington Luís, que governaram de 1899 a 1919,
contribuíram fortemente para o clima de desenvolvimento da cidade;
alguns estudiosos consideram mesmo que a cidade inteira fora demolida
e reconstruída naquele período. O clima era de modernidade e o
entusiasmo era geral. São Paulo desenvolve-se em ritmo acelerado,
principalmente, devido a sua localização, privilegiada: no centro
do complexo cafeeiro e próximo ao porto de Santos.
Esse período também é marcado por um forte moralismo e ideais
rígidos de comportamento, em parte “importados” da cultura
europeia, com a qual a elite cafeeira entrava em contato (muito por
meio dos filhos de barões que iam aperfeiçoar seus estudos na
Europa). Esses padrões europeus, apreciados pela nova elite
brasileira, longe de serem ignorados, foram absorvidos rapidamente e
em grandes proporções. Eles eram disseminados, sobretudo, por meio
da arte, sendo que, entre outros, a literatura e a fotografia foram
elementos que exerceram forte influência no imaginário da sociedade
de então. O filósofo Walter Benjamin, inspirado nas caminhadas de
Baudelaire pela Cidade Luz, afirmou ser a fotografia um dos mais
importantes elementos da modernidade por consistir, simultaneamente,
em uma consequência do processo de desenvolvimento técnico e,
também, testemunha de um novo tempo (? Citar)
Descoberta no ano de 1839, já no alvorecer do século XX a
fotografia apresentava condições para efetuar o registro de imagens
de alta qualidade e, com sua popularização, a imprensa a incorporou
aos principais jornais e revistas. Seu emprego, a princípio, tinha
como função ilustrar reportagens e artigos ratificando o
acontecimento narrado, no entanto, no início do século XX, ela
ganha um novo papel e se constitui como um elemento do cotidiano da
população. Ao registrar tipos, costumes, hábitos, moda, entre
outras coisas, o novo equipamento, somado ao olhar do fotógrafo,
acaba por transformar o cotidiano em nova expressão estética: a
fotografia agora ocupa-se de representar as inovações que se
testemunha, mas não só isso: representa também (e principalmente)
aquelas que se deseja ver. Eis a questão central de nossa reflexão.
O que queremos chamar a atenção aqui é como os códigos de
comportamento e a aparência “ideal” daquela sociedade carioca
foram, em muitos aspectos, orientados pelas imagens e pelos conteúdos
selecionados pela imprensa. Esta tinha um programa pedagógico bem
definido a ser cumprido; o que se queria disseminar eram os valores
europeus, precisamente da Belle Époque parisiense, símbolo máximo
de civilização e modernidade. Nesse aspecto, alguns periódicos,
como Fon-Fon e Careta, na cidade do Rio de Janeiro, são
flagrantes no estabelecimento de certos padrões, éticos e
estéticos.
Importa observar que o processo de modernização e a vontade de
progresso demandaram, também, a construção de um estereótipo
“ideal” para os cidadãos. A reforma que se perseguia era, pois,
mais do que arquitetônica, ela atingia inclusive a esfera da
subjetividade e os cidadãos, que, imediatamente tomavam como
referência aquilo que lhes era divulgado como “bom” e “belo”,
respondiam bem a tais expectativas. Tal era o poder do texto e das
imagens sobre a consciência social.
Não se pode perder de vista que uma fotografia faz sempre um
recorte, isto é, representa uma “visão de mundo” e a visão de
mundo daquele que fotografa – é ela que chegará ao público: um
produto subjetivo. Desse modo, o que faz o fotógrafo, que também é
sujeito social, que observa e interpreta seu entorno, é apresentar,
por meio de seu trabalho, a sociedade que ele mesmo vê e na forma
como ele vê. Assim, o modo como a cidade e os cidadãos são por ele
retratados já consiste, em si mesmo, em um discurso. Portanto, as
fotografias publicadas nos periódicos revelam-se potenciais recursos
discursivos, que se encarregam de transmitir uma mensagem específica,
que não é, de forma alguma, desinteressada.
Neste sentido, os periódicos, carregados de valor cultural,
contribuem para a legitimação e naturalização de aparências e
comportamentos desejados, mostrando-se eficientes moldadores nos mais
variados aspectos, desde a indumentária até os valores morais.
Os registros da elite carioca representaram uma intenção clara de
construir e divulgar a imagem do que seria um cidadão “modelo” a
ser seguido; a fotografia participa, com sua imagem (seu recorte)
tanto da elaboração como da consolidação dessa figura e, com
esses registros, fez-se da imagem pública o símbolo de um modo de
vida perfeito e, portanto, desejável – aqui a dimensão subjetiva
do público se vê atingida.
Os ambientes sofisticados, divulgados pela fotografia, apresentavam
com exatidão o que se esperava do novo carioca, qual a aparência,
qual a pose, quais gestos e vestuário, quais valores se esperava.
Para isso, é evidente, havia um filtro bem definido no olhar de quem
registrava; o fotógrafo (ou a agência) estava determinado a
focar-se exclusivamente na camada abastada da população e ignorar
em absoluto o lado contrário. Trata-se, pois, de um aspecto menos
“iluminado” da Belle Époque. Uma cidade imaginária foi
construída, ideal e longe da realidade carioca; uma cidade erigida
pelo discurso da elite que se queria europeia: de ruas e cariocas
belos, bem vestidos, refinados, elegantes e letrados, que usavam
automóveis, que frequentavam os cinemas, o teatro e os cafés. Essa
elite procurava ignorar a existência de toda uma população pobre,
que a seu ver deveria assistir e aprender os “bons modos” e o
“bom gosto”.
Essa desarmonia não aparecia nos discursos dos periódicos e
jornais, que destacavam fortemente a vida moderna e sofisticada, como
se não houvesse a outra parte da população. Os fotógrafos que
retratavam a cidade, ligados a agências e suas intenções
civilizatórias, voltavam seu olhar para a Avenida Central,
iluminada, de belas vitrines, esqueceram-se de ir até as vielas e
becos, aos prostíbulos e favelas da cidade, concentrou-se enfim em
um idealismo cego, de forma que o universo reconstruído pelas
imagens, não foi mais do que imaginação, uma atitude parcial e
negligente, incongruente com a realidade de então.
Bem compreendido, o ímpeto de instaurar a modernidade e seus hábitos
era motivado, principalmente, por um desejo de suplantar o legado e a
memória colonial e imperial que havia marcado negativamente e por
séculos a sociedade brasileira. Contudo, do ponto de vista cultural,
o carioca real (e aqui podemos entender, também, o brasileiro) e
todo o seu valor, seu desprendimento, sua espontaneidade, sua
comunicabilidade, sua beleza natural, livre, alegre e musical foram
desprezados. Na ânsia de se querer ser o que nunca se foi, o real
foi encoberto pelo imaginário, confundindo consciências, histórias,
vivências; soterrando nossas raízes brasileiras, nossa natureza
tropical, para realizar apenas uma tentativa, desajeitada, de parecer
um europeu.