Scramble for Africa, 2003
Yinka Shonibare
nasceu em Londres,
no ano de 1962,
e mudou-se para Lagos,
então capital da Nigéria,
aos 3 anos de idade. Mais tarde, aos 17 anos de idade, retorna a
Londres, onde vive e trabalha atualmente, para estudar arte no
renomado Goldsmith
College, tornando-se
parte da geração YBA
(Young British
Artists).
Aos 18 anos, teve parte de seu corpo paralisado, devido a uma doença
rara e, por esse motivo, conta com um grupo de assistentes que
colaboram para a execução do que visualiza e pretende criar.
Continuando seus estudos, atuou como
secretário do desenvolvimento de artes para a Shape
Arts, organização
que promove maior acesso as artes para os portadores de deficiência
física. Shonibare foi nomeado, em 2004, com
o prêmio Turner e condecorado como membro do Most
Excellent Order of the British Empire.
Em 2013 foi eleito membro acadêmico real pela Academia Real de
Artes, entre outros prêmios. Além de ter participado da Bienal de
Veneza, tem seus trabalhos exibidos em alguns dos mais importantes
museus do mundo.
Nos últimos dez anos o artista
tornou-se conhecido por
explorar o tema do colonialismo e pós-colonialismo dentro do
contexto contemporâneo da globalização.
O trabalho de Shonibare combina esses temas com questões de raça e
classe social tendo como suporte
a pintura, a escultura, a fotografia e, mais recentemente, filmes e
performances. Usando essa
diversidade de plataformas, o artista examina, em particular, a
construção da identidade
tocando o ponto das relações entre África e Europa,
bem como suas histórias econômicas e políticas.
Mesclando história da arte
ocidental e literatura, o artista questiona, sobretudo, o que
constitui nossa identidade coletiva na vida contemporânea. Definindo
a si mesmo como um “híbrido
pós-colonial” (o
artista retornou ao seu país de origem por algumas vezes), seu
principal questionamento, para o qual sua produção artística, de
um modo ou de outro, procura nos chamar a atenção, refere-se ao
significado dos conceitos “nacional” e “cultural” nos dias
atuais, em que a globalização impossibilita qualquer ideia de
“pureza”.
O material base no trabalho de
Shonibare, desde 1994, são os tecidos africanos.
Coloridos e chamativos, esses tecidos, muito utilizados em seus
trabalhos escultóricos - os manequins sem cabeça - carregam um
símbolo da globalização como a perda da autêntica identidade. O
artista observa que esses tecidos, que parecem tradicionais
africanos, na verdade, são desenhados em Bali e produzidos na
Holanda e que ele mesmo compra em Londres, e não em uma cidade do
continente africano. Com isso, o artista nos chama a atenção para o
fato de que, ao comprar um produto como esse, que seria tão
“típico”, o consumidor pode pensar estar comprando uma peça
“legitimamente” africana, mas cuja africanidade, na verdade,
constitui apenas uma parte do produto. A esse respeito John Peffer
elogia o trabalho de Shonibare em seu texto “A
diáspora como objeto”,
destacando-o como uma “[...] maliciosa recontextualização dos
tecidos estampados holandeses do comércio africano”.
Esta reflexão é o traço marcante
na arte de Shonibare: a pergunta pela identidade está aí implícita,
isto é, ao dizer que “os
tecidos, na verdade, não são autenticamente africanos como as
pessoas pensam que são” e que é a “falácia dessa significação”
que o atrai, o artista, que viveu tanto na África quanto na Europa,
nos convida a perguntar pelo sentido
de chamar determinada arte de africana, ou europeia, ou de qualquer
outra categoria, para além de nacionalidade ou regionalidade.
Essas categorias ou o ato de
categorizar são, portanto, ironizados pela arte de Shonibare e a
esse respeito, Chika Okeke, em seu texto “Arte Africana Moderna”,
destaca o valor conceitual desta poética ao dizer que
“Shonibare salienta a
fantasia de certas ideias sobre a identidade africana”.
How to Blow up Two Heads at Once (Ladies), 2006
Trata-se, também, de uma crítica à
opressão que significa essa exigência obsessiva de autenticidade,
que se impõe aos artistas de origem africana. Com relação a isso,
importa dizer que, embora os artistas
africanos atualmente empenhem-se em ser reconhecidos como artistas,
antes de “artistas africanos”, eles são obrigados a percorrer
esse trajeto mostrando uma “arte africana” para depois serem
reconhecidos como artistas.
Isso fica claro nas palavras de Sidney Kasfir, em “Contemporary
African Art” (Kasfir Apud
Peffer): “pode dizer-se que os artistas africanos não estão tanto
a lutar pela liberdade de serem ‘africanos’ (o que quer que isso
queira dizer), como para serem plenamente aceitos como artistas,
embora isso apenas se possa realizar através da sua africanidade”.
Com efeito, pode-se questionar também, na obra de muitos artistas
europeus sua verdadeira “europeidade”, dado que influências e
inspirações de todos os lados constituem as obras, especialmente em
tempos de globalização.
Ligado a isso, José António F.
Dias tece uma crítica importante a respeito da obra de Shonibare, em
seu texto “Das Esquinas do Olhar”, que comenta uma exposição,
dando destaque a uma obra de Shonibare. Ele diz tratar-se de “uma
elaboração particularmente inteligente da interdependência
inescapável entre a África e o Ocidente”, e que revisita “versões
canonizadas da história e da história da arte, minando e gozando
com os pressupostos eurocêntricos que as sustentam”. O autor
assinala ainda a importância dessa orientação no trabalho de
Shonibare ao refletir os tempos em que nos encontramos, “de
conflitos globais intensos, de migrações e xenofobias crescentes”.
Ao mesmo tempo (e não menos importante), o autor aproveita para
ressaltar também o valor de artistas que passam pela experiência
de viver a diáspora, tão
comum a esses povos africanos: trata-se da “vivência de dois
mundos, ou mais, que, de diversas formas, [esses artistas] ligam
criativamente num nível muito elevado, quer de pensamento, quer de
trabalho artístico”, valorizando, assim, “a hibridez e a
integração” entre os povos e suas inspirações.
Com efeito, se olharmos para a
história da arte, já em Picasso, pode-se constatar, que há uma
dívida forte com as máscaras africanas na evolução de sua
estética, podendo-se concluir que, nos
dias atuais, as possibilidades de trocas culturais são ainda mais
constantes e, desse modo, a exigência purista de uma marca legítima
de nacionalidade ou regionalidade mostra-se ingênua e sem sentido.
A reflexão que Shonibare nos
propõe, enfim, não será facilmente respondida, mas podemos intuir
alguma coisa a respeito dela: o
fazer artístico, sobretudo em tempos de globalização avançada,
tem “origens” (restringe-se a elas)?
ou mostra-se, antes de africano, europeu ou latino-americano, um ato
humano? E, para, além disso, ainda que essa questão estivesse
resolvida, teríamos que enfrentar outra pergunta, ainda mais
complexa: como esperar que
exista uma estética própria para a arte tradicional da África, que
é um continente enorme, com inúmeras tribos diferentes, cada uma
com suas crenças e culturas próprias?
Enfim, perguntamo-nos: o
que pode ser, então, a “arte (autenticamente) africana”? E quem
poderá atestá-la como tal?