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segunda-feira, 2 de junho de 2014

Yinka Shonibare - um panorama da arte africana


 
 
Scramble for Africa, 2003
 
 
Yinka Shonibare nasceu em Londres, no ano de 1962, e mudou-se para Lagos, então capital da Nigéria, aos 3 anos de idade. Mais tarde, aos 17 anos de idade, retorna a Londres, onde vive e trabalha atualmente, para estudar arte no renomado Goldsmith College, tornando-se parte da geração YBA (Young British Artists). Aos 18 anos, teve parte de seu corpo paralisado, devido a uma doença rara e, por esse motivo, conta com um grupo de assistentes que colaboram para a execução do que visualiza e pretende criar.
 
Continuando seus estudos, atuou como secretário do desenvolvimento de artes para a Shape Arts, organização que promove maior acesso as artes para os portadores de deficiência física. Shonibare foi nomeado, em 2004, com o prêmio Turner e condecorado como membro do Most Excellent Order of the British Empire. Em 2013 foi eleito membro acadêmico real pela Academia Real de Artes, entre outros prêmios. Além de ter participado da Bienal de Veneza, tem seus trabalhos exibidos em alguns dos mais importantes museus do mundo.
 
Nos últimos dez anos o artista tornou-se conhecido por explorar o tema do colonialismo e pós-colonialismo dentro do contexto contemporâneo da globalização. O trabalho de Shonibare combina esses temas com questões de raça e classe social tendo como suporte a pintura, a escultura, a fotografia e, mais recentemente, filmes e performances. Usando essa diversidade de plataformas, o artista examina, em particular, a construção da identidade tocando o ponto das relações entre África e Europa, bem como suas histórias econômicas e políticas.

Mesclando história da arte ocidental e literatura, o artista questiona, sobretudo, o que constitui nossa identidade coletiva na vida contemporânea. Definindo a si mesmo como um “híbrido pós-colonial” (o artista retornou ao seu país de origem por algumas vezes), seu principal questionamento, para o qual sua produção artística, de um modo ou de outro, procura nos chamar a atenção, refere-se ao significado dos conceitos “nacional” e “cultural” nos dias atuais, em que a globalização impossibilita qualquer ideia de “pureza”.




O material base no trabalho de Shonibare, desde 1994, são os tecidos africanos. Coloridos e chamativos, esses tecidos, muito utilizados em seus trabalhos escultóricos - os manequins sem cabeça - carregam um símbolo da globalização como a perda da autêntica identidade. O artista observa que esses tecidos, que parecem tradicionais africanos, na verdade, são desenhados em Bali e produzidos na Holanda e que ele mesmo compra em Londres, e não em uma cidade do continente africano. Com isso, o artista nos chama a atenção para o fato de que, ao comprar um produto como esse, que seria tão “típico”, o consumidor pode pensar estar comprando uma peça “legitimamente” africana, mas cuja africanidade, na verdade, constitui apenas uma parte do produto. A esse respeito John Peffer elogia o trabalho de Shonibare em seu texto “A diáspora como objeto”, destacando-o como uma “[...] maliciosa recontextualização dos tecidos estampados holandeses do comércio africano”.
Esta reflexão é o traço marcante na arte de Shonibare: a pergunta pela identidade está aí implícita, isto é, ao dizer que “os tecidos, na verdade, não são autenticamente africanos como as pessoas pensam que são” e que é a “falácia dessa significação” que o atrai, o artista, que viveu tanto na África quanto na Europa, nos convida a perguntar pelo sentido de chamar determinada arte de africana, ou europeia, ou de qualquer outra categoria, para além de nacionalidade ou regionalidade.
Essas categorias ou o ato de categorizar são, portanto, ironizados pela arte de Shonibare e a esse respeito, Chika Okeke, em seu texto “Arte Africana Moderna”, destaca o valor conceitual desta poética ao dizer que “Shonibare salienta a fantasia de certas ideias sobre a identidade africana”.



                                                          How to Blow up Two Heads at Once (Ladies), 2006

Trata-se, também, de uma crítica à opressão que significa essa exigência obsessiva de autenticidade, que se impõe aos artistas de origem africana. Com relação a isso, importa dizer que, embora os artistas africanos atualmente empenhem-se em ser reconhecidos como artistas, antes de “artistas africanos”, eles são obrigados a percorrer esse trajeto mostrando uma “arte africana” para depois serem reconhecidos como artistas. Isso fica claro nas palavras de Sidney Kasfir, em “Contemporary African Art” (Kasfir Apud Peffer): “pode dizer-se que os artistas africanos não estão tanto a lutar pela liberdade de serem ‘africanos’ (o que quer que isso queira dizer), como para serem plenamente aceitos como artistas, embora isso apenas se possa realizar através da sua africanidade”. Com efeito, pode-se questionar também, na obra de muitos artistas europeus sua verdadeira “europeidade”, dado que influências e inspirações de todos os lados constituem as obras, especialmente em tempos de globalização.
Ligado a isso, José António F. Dias tece uma crítica importante a respeito da obra de Shonibare, em seu texto “Das Esquinas do Olhar”, que comenta uma exposição, dando destaque a uma obra de Shonibare. Ele diz tratar-se de “uma elaboração particularmente inteligente da interdependência inescapável entre a África e o Ocidente”, e que revisita “versões canonizadas da história e da história da arte, minando e gozando com os pressupostos eurocêntricos que as sustentam”. O autor assinala ainda a importância dessa orientação no trabalho de Shonibare ao refletir os tempos em que nos encontramos, “de conflitos globais intensos, de migrações e xenofobias crescentes”. Ao mesmo tempo (e não menos importante), o autor aproveita para ressaltar também o valor de artistas que passam pela experiência de viver a diáspora, tão comum a esses povos africanos: trata-se da “vivência de dois mundos, ou mais, que, de diversas formas, [esses artistas] ligam criativamente num nível muito elevado, quer de pensamento, quer de trabalho artístico”, valorizando, assim, “a hibridez e a integração” entre os povos e suas inspirações. 
Com efeito, se olharmos para a história da arte, já em Picasso, pode-se constatar, que há uma dívida forte com as máscaras africanas na evolução de sua estética, podendo-se concluir que, nos dias atuais, as possibilidades de trocas culturais são ainda mais constantes e, desse modo, a exigência purista de uma marca legítima de nacionalidade ou regionalidade mostra-se ingênua e sem sentido.
A reflexão que Shonibare nos propõe, enfim, não será facilmente respondida, mas podemos intuir alguma coisa a respeito dela: o fazer artístico, sobretudo em tempos de globalização avançada, tem “origens” (restringe-se a elas)? ou mostra-se, antes de africano, europeu ou latino-americano, um ato humano? E, para, além disso, ainda que essa questão estivesse resolvida, teríamos que enfrentar outra pergunta, ainda mais complexa: como esperar que exista uma estética própria para a arte tradicional da África, que é um continente enorme, com inúmeras tribos diferentes, cada uma com suas crenças e culturas próprias? Enfim, perguntamo-nos: o que pode ser, então, a “arte (autenticamente) africana”? E quem poderá atestá-la como tal?




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