Maternidad
em verde, 1942. W. LAM.
Para
entendermos a relevância deste artista cubano, importante
representante de nossa cultura latino-americana, tão permeada de
elementos de origens indígena e africana, além da herança europeia
deixada pelo processo de colonização por que passou nossa história;
desse importante expoente que deveria contribuir para o
fortalecimento do ego latino-americano no campo artístico, importa
realizarmos uma retrospectiva que aborde os principais acontecimentos
em sua carreira, que teve destaque em vida, mas ainda assim, mediante
as instituições eurocêntricas que legitimam os trabalhos e
artistas que “devem” ou “podem” entrar para a história
oficial da arte ocidental, sua obra, como a de tantos outros bons
artistas não europeus, ainda é omitida nos “manuais” da
história da arte. Sendo assim, por um dever de realizar, na medida
do possível, certa “justiça histórica”, cabe analisarmos sua
trajetória e tirarmos, nós mesmos, nossas próprias conclusões,
independentemente do que deixam chegar as instituições
“legitimadoras”, assim auto-proclamadas, ao nosso conhecimento.
Wifredo
Lam é o oitavo filho de Enrique Lam Yam, comerciante chinês de 84
ano (quando Wifredo nasceu) e Ana Serafina, mulher de origem
espanhola e africana. Nascido em 8 de dezembro do ano de 1902, Lam se
instalará em Havana, aos 14 anos, onde se inscreverá na Faculdade
de Direito, estudo pelo qual o futuro artista não se entusiasmará.
Entre 1918 e 1923, ele frequenta a Escola de Belas Artes e expõe, já
por volta dos vinte anos, suas primeiras obras no Salão da
Associação de Pintores e Escultores de Havana.
Em
1923, aos 21 anos de idade, Lam embarca para Madri, onde viverá seus
próximos 14 anos, e entra para o ateliê de Álvarez de Sotomayor,
então diretor do Museu do Prado. Frequentador deste Museu e também
do Museu Arqueológico, Lam desenvolve profunda admiração por
Rubens, El Bosco e Pieter Brueghel, o velho. Realizará cópias
de El Greco e viajará por toda a Espanha pintando retratos de
camponeses espanhóis, de grande realismo, além de paisagens (da
cidade de Cuenca) e naturezas mortas.
Em
1926, morre seu pai, aos 108 anos de idade e em 1931, devido a uma
tuberculose, Lam perde também sua esposa Eva Píriz, com quem estava
casado há 2 anos e também seu filho recém-nascido, de modo que os
meses seguintes serão de grande dificuldade para o artista que, no
entanto, superará suas perdas, focando-se fortemente em seu
trabalho. Em 1936, aos 34 anos, Lam participa, voluntariamente, da
defesa da República espanhola e em 1937 da defesa de Madri. Neste
mesmo ano entra, pela primeira vez, em contato com o Cubismo, por
meio da grande exposição itinerante de Picasso que passa por Madri.
Em 1938, Lam abandona a Espanha e segue para Paris, onde encontrará
Picasso, com uma carta de recomendação do escultor Manolo Hugué.
Ali, instala seu ateliê atrás da estação de Montparnasse.
O
encontro com Picasso influirá de forma decisiva no destino do jovem
pintor. Ele será introduzido, por Picasso, no círculo artístico
que, então, dominava Paris: Fernand Léger, Joan Miró, Henri
Matisse, Georges e Benjamin Péret.
Em
1939 Lam tem sua primeira exposição individual, seguida da segunda,
em 1939, em Nova York, onde a galeria Perls expõe seus trabalhos
junto aos desenhos de Picasso. O tema da maternidade e da família,
como Madre y hija (1939) caracteriza esse período.
Em
1940 com o estopim da guerra, Lam precisa abandonar Paris, dirige-se
à Marselha, onde encontra vários artistas e escritores, como o
poeta René Char, Pierre Mabille, os pintores Marc Chagall, Max
Ernst, entre outros, e o líder do grupo Surrealista André Breton,
para quem Lam ilustra com seis desenhos o poema Fata Morgana.
As relações entre Lam e André Breton estreitam-se à partir do
verão daquele ano de 1940, que será de grande importância na
trajetória de Lam, como veremos mais adiante.
Em
1941, devido a guerra e após uma viagem de sete meses, Lam chega de
volta a Havana. O retorno ao seu país natal é duro, o pintor sente
dificuldades em reavivar as antigas relações, além de se sentir
desolado com os problemas da ilha: a miséria econômica e o “drama
colonial” (PARÍS, 1982: 144).
Em
1942, Lam começa a pintar La Jungla, sua obra-prima.
Exposta pela primeira vez na galeria Pierre Matisse, em Nova York,
essa obra causa um “grande alvoroço” (idem). Revela entre outras
coisas referências e memórias de sua infância na ilha, como
rituais de origens africana e outros elementos dessa cultura, que Lam
vivenciava, sobretudo, nos tempos em que conviveu com sua avó
materna, praticante da chamada Santeria, que no Brasil
chamamos de “Macumba”.
La Jungla,
1942-1944.
É
em 1946 que Lam toma contato com o ritual vodú, ao assistir pela
primeira vez às cerimônias celebradas “em honra aos deuses da
unidade” (idem, p. 145) em um período que passa quatro meses no
Haití. Essas cerimônias e as emoções da magia negra o levam a
renovar suas inspirações, seus temas e seu vocabulário formal.
Nesse mesmo ano, Lam retorna à França, passando por Nova York, onde
entra em contato com James Johnson Sweeny (diretor do Museu de Arte
Moderna), Gorky, Marcel Duchamp e outros artistas americanos. É
nesse período que seu estilo, renovado, inicia um período bastante
fecundo, obedecendo a um impulso de caráter surrealista que amplia a
presença da poesia negra em sua obra, fazendo de sua pintura uma
poética “violenta e sensual” (idem, p. 145). Nos cinco anos que
se seguem, entre 1947 e 1952, Lam produzirá uma grande série de
quadros totêmicos e míticos, como é o caso de A Noiva de
Kiriwina, de 1949.
Lam
se casará novamente e terá ainda outros dois filhos (em 1961 e em
1969) e seus próximos trinta anos serão de muito trabalho e
exposições, além de algumas retrospectivas importantes, como as de
1967 que passaram por Hanover, Amsterdam, Estocolmo e Bruxelas. Além
disso, realizará também alguns trabalhos na India, entre 1975 e
1976. Em 1978, sofre um ataque que o debilita, obrigando-o a passar o
resto de sua vida sobre uma cadeira de rodas. Morre em 1982, na
cidade de Paris, aos 80 anos.
A
Noiva de Kiriwina, 1949.
É
com certo vigor que Catherine David (PARÍS, 1982: 17), em sua
contribuição para o valioso catálogo de W. Lam, organizado por
Isabel París e subsidiado pelo Museu Nacional Centro de Arte Reina
Sofia, nos adverte em suas reflexões acerca da produção de Lam,
remetendo-nos, inclusive, a velhas questões, ainda em pauta, sobre
nossa condição de colonizados, presente nos mais diversos campos de
análise:
“Parece
haver chegado o momento de outra leitura, mais atenta mas também
mais arriscada, em todos os sentidos do termo, dos intercâmbios que,
de modos muito distintos, foram levados a cabo entre centro(s) e
periferia(s) da cultura ocidental, entre o antigo e o novo, entre
tradição e modernidade, entre metrópole(s) e colônia(s), e que
transbordam amplamente as noções de ‘influência’ e ‘difusão
do modernismo’ que ainda predominam nas análises de uma certa
História da arte”.
Para
o quê C. David quer nos chamar a atenção? Não é difícil notar
que na vida e na obra “excepcionais e exemplares” (idem, p. 16)
de Lam, temos a mostra de uma rara coleção de obras de arte
“maiores”, que, a despeito de seu valor inconteste, encontram-se,
ainda, às margens dos centros tradicionais e validadores da cultura
europeia e das “capitais da modernidade”. Participando mais ou
menos conscientemente deste olhar eurocêntrico, a leitura e o corte
modernista da arte do século XX, privilegiaram, por muito tempo, o
que a autora chama de “uma dinâmica em sentido único”, de cópia
e de repetição dos modelos europeus, sem dar-se conta do jogo
complexo de forças que atuavam e atuam sobre o campo artístico
(idem, p. 17).
A
crítica em pauta refere-se ao modo como as artes plásticas, não só
elas, mas também a literatura e a música, precisam enfrentar a
história cruzada e dramática, das aculturações e sincretismos tão
presentes em suas produções artísticas, e por isso mesmo tão
negligenciadas na história tradicional da arte. O mesmo elemento,
contudo, é o que faz das Antilhas e da América Latina um campo de
experimentações tão diverso e tão fecundo, que tem em Lam um
grande exemplo: “uma das primeiras obras mestiças deste século,
nascida de encontros e conflitos de numerosas histórias, raças e
continentes”, resultando em um “território novo” que produz
“uma estética pouco comum” (idem, p. 18).
Pode-se
notar que a marginalização do trabalho de Lam é paradoxal, pois
sua trajetória, que segundo definição de André Breton (idem, p.
19) seguiu “o caminho inverso de Picasso”, isto é, consistiu em
“alcançar, à partir do primitivo maravilhoso que levava dentro de
si, o grau de consciência mais alto, para então assimilar as
disciplinas mais sábias da arte europeia”; paradoxal, sobretudo,
porque, quando Lam se relaciona com Breton, em fins de 1939, a época
“heroica e teórica” (idem) do Surrealismo, a época dos
manifestos, enfim, já tinha passado e o movimento estava buscando
justamente descobrir a arte e os mitos não europeus, de modo
que o talento de Lam ia bem ao encontro daquilo que o grupo buscava,
todavia Lam permanecerá invisível para as mesmas instituições que
validam a arte do movimento surrealista como a “boa arte”.
Gerardo
Mosquera, importante crítico de arte cubano, também contribui com
reflexões significantes, a respeito da obra de Lam e sua
representatividade na “trama” da história da arte e as produções
não europeias. Ele nos relata uma observação curiosa a respeito do
texto que acompanhava a obra La Jungla, vista por ele em 1988
no Museu de Arte Moderna de Nova York. Ele diz que, além dos dados
técnicos da obra e datas de nascimento e morte do autor, fazia-se
necessário “esclarecer”, ironiza Mosquera, que o artista havia
trabalhado na Europa e nos Estados Unidos, de modo que Cuba,
permanecia como “simples dado do lugar fortuito onde Lam teria
vindo ao mundo” e a contradição estava ao lado, na própria tela,
que teria sido produzida em Marianao, um bairro humilde de Havana –
dado este que não recebia o menor destaque.
Tal
apresentação ignorava que Lam, de fato, tinha trabalhado 10 anos em
Cuba, entre 1942 e 1952, além de sua formação que foi na Academia
de Belas Artes de Havana. Os anos em que Lam trabalhou em Havana,
importa lembrar, foram os mais importantes, pois neles produziu suas
maiores obras, dado que foi o reencontro com seu país o ponto
decisivo que definiu sua arte.
A
esse respeito Mosquera comenta: “A redescoberta de Cuba determina
uma eclosão do africano dentro de sua própria formação cultural,
uma saída de sua Weltanschauung [visão de mundo] caribenha e
desta com seu meio natural e social”. Ele acrescenta: “Enquanto
artista moderno, deixa de trabalhar com as geometrizações africanas
para, pela primeira vez, [...] trabalhar com seu sentido” (idem, p.
33). Aí está a transformação que ocorre na pintura de Lam, ela
não é puramente formal. Embora o artista tenha sua dívida com
Picasso, Matisse, com o geometrismo africano e a tradição clássica
do ocidente (o artista seus estudos pela arte acadêmica, importa
lembrar), o “transcendental”, insiste Mosquera (p. 33), que
ocorre na obra de Lam, é a mudança de sentido. Picasso e
muitos outros modernos se inspiraram na máscara e na estatuária
africana para conseguir uma renovação, sobretudo formal, da arte
ocidental, contudo, em total desconhecimento do contexto desses
objetos, bem como de seus significados e funções. Lam, por sua vez,
embora descubra a plástica africana e primitiva em Picasso, sob o
impulso do surrealismo, acaba por ativar (ou reativar) um mundo
pessoal, de que ele próprio participava, que lhe era familiar
culturalmente e este determina seu trabalho mais interiorizado com
tais formas. A esse respeito Mosquera diz (idem, p. 35): “Lam [...]
busca transmitir, pelos meios tropológicos da arte moderna, uma
cosmovisão condicionada pelos fatores africanos vivos em sua cultura
de origem, um sentido místico geral, dela proveniente”.
Deste
modo, a etiqueta vista em Nova York, diz Mosquera, parecia querer
dizer que “apesar de ser cubano”, este artista trabalhou no
Ocidente e construiu uma obra valiosa, quando o correto seria dizer
que “graças a ser cubano” este homem pôde fazer uma obra
valiosa no Ocidente, pelos traços dessa “consciência africana
interiorizada” (idem, p. 35), pela sensibilidade e o imaginário
caribenhos e por seu particular mundo simbólico. Mesmo que Lam não
tivesse produzido em sua ilha natal o período mais importante de sua
obra, ainda assim, sua nacionalidade não seria um simples dado, pois
dela advém sua pintura, “de uma formação cultural” e além
disso, acrescenta Mosquera, “seu [próprio] discurso se estrutura
também à partir do cultural” (MOSQUERA, apud París, p.
21).
Essa
e outras reflexões reforçam a ideia de que o discurso eurocêntrico
se esforça para evitar que produções artísticas de valor,
provenientes de países periféricos, recebam seu devido
reconhecimento. O primitivismo perseguido pelos Surrealistas, ou por
outros artistas, mais tarde tão aclamados - segundo J. Schwartz
(1995: 579), além de Picasso, Vlaminck, Braque, Brancusi, Klee,
Giacometti, e Modigliani, para citar apenas alguns, também
“recorreram ao primitivismo negro como fonte de temas e formas” -
encontrava-se nas próprias origens de Lam, que não precisava
esforçar-se para transmití-lo em sua poética. Contudo, o olhar
eurocêntrico, com sua “cegueira”, como diz Mosquera, foi incapaz
de perceber ou distinguir que nessa arte não se tratava do Ocidente
assimilando recursos das culturas “subalternas”, antes,
tratava-se do que ele chama de “o Não Ocidente” começando a
“expressar-se mediante os mecanismos artísticos
internacionalizados pelo Ocidente e capazes de ação efetiva no
mundo de hoje” (PARÍS 1982: 23).
Em
suma, Mosquera nos chama a atenção no sentido de valorizar Lam e
sua obra não como resultado do Surrealismo ou da presença do
Primitivismo, o africano ou afro-americano na arte moderna, mas “como
fruto da cultura cubana e do Caribe e como pioneira de uma ação do
Terceiro Mundo na cena contemporânea” (idem). Eis o que deve ser
ressaltado na trajetória do artista. Essa é a mudança de
perspectiva que se deve operar, em outras palavras: “deixar de
enfatizar [...] a intervenção destes elementos culturais no
Surrealismo para entender este movimento como um espaço onde aqueles
se manifestaram fora do campo tradicional, convertidos em acionadores
da cultura de vanguarda deles mesmos” (idem). Trata-se de deixarmos
de satisfazer (meramente) essa necessidade do Ocidente de captar, em
outras culturas, elementos exóticos que componham sua produção
para enriquecê-la ou renová-la, para valorizarmos estes elementos
em si mesmos, pelo seu próprio valor, em sua autenticidade e em sua
autonomia.
A
mudança de ponto de vista, sugerida por Mosquera, na leitura da obra
de Lam visa romper com dualismos e reconhecer os hibridismos,
complexidades e até mesmo as “inautenticidades”, diz o próprio
autor, “próprias da dinâmica colonial” (idem, p. 25). O diálogo
intercultural, implícito na obra de Lam, além de expressar toda a
pluralidade própria do Caribe, acabam por nos alertar para o fato de
que esses processos de mestiçagem e hibridismo, integram, também, o
tronco cultural do Ocidente, o que, se bem analisado, fragiliza o
paradigma ou o “relato” totalizador da História da Arte
Ocidental.
O
autor considera assustador o fato de que Lam nunca foi valorizado
pela crítica de arte como o primeiro artista, em toda a história da
arte, a “apresentar ao mundo uma visão do africano na América”
(idem, p. 26) pelo que se justifica sua conclusão, irredutível, de
que faz-se urgente descentralizar esses discursos, abrindo espaço
para “novos significados” e uma compreensão intercultural das
artes e deixar para trás o, tão discutível, “monismo Ocidental”
(idem).
Cuba
na geração de W. Lam
Wifredo
Lam, em sua juventude, faz parte de uma geração de artistas que já
em 1920 irrompe na ilha, produzindo obras que desagradam a arte
tradicional acadêmica. De certo modo, podemos pensar essas gerações
como “filhas” da história da revolução cubana que tem início
já no século XIX, em Outubro 1868, com os primeiros movimentos
revolucionários, cuja figura de destaque é Carlos Manuel de Gramas
e posteriormente José Martí, criador do Partido Revolucionário
Cubano, alguns anos mais tarde, cujo principal resultado alcançado
será a Revolução Cubana que provoca a queda do general Fulgêncio
Cambraia, em Janeiro de 1959, e a chegada ao poder do líder do
exército Fidel Castro.
Nesse
mesmo ano foi criada a Fundação da Casa das Américas, com o fim de
promover intercâmbio cultural com os países da América Latina
(neste ano Lam expõe na Documenta II, em Kassel). Embora Lam tivesse
vivido fora da ilha por muitos anos, é preciso dizer, devemos
considerar que sua história carregará sempre como base a história
de seu país natal: seus problemas, seus limites, seus anseios e
também suas particularidades, suas virtudes e suas conquistas.
Nos
final dos anos 20 e, sobretudo, na década de 30, Cuba, como também
o Brasil, foi palco de manifestações ideológicas cujo objeto de
interesse era a identidade do negro. Jorge Schwartz menciona (1995:
586) as palavras de Roger Bastide, para esclarecer o que fora o
conceito de Negritude (embora este tenha sido um tanto polêmico à
época), que ligava as diversas manifestações entre si. Ele diz:
“[...] foi a princípio, a tomada de consciência da originalidade
do pensamento africano e a descoberta de uma nova nobreza [...]”.
Não
se pode perder de vista que esse é o cenário que Lam deve encontra
ao voltar à sua ilha natal em 1938. É nessa década que surgem
manifestações políticas “mais concretas”, de acordo com
Schwartz (1995: 586), em defesa dos direitos dos negros. Já em
1925, a fundação do Partido Comunista cubano contribui para a
formação de uma consciência de classe, unindo brancos e negros no
sentido de substituir a ideia de “raça” pelo conceito de
“cultura cubana” (idem).
Com
respeito a essas manifestações, dois nomes merecem destaque, pela
primazia na luta pelo direito dos negros: Fernando Ortiz (1881-1969)
e Nicolás Guillén. Segundo Schwartz (1995: 587):
“mais
do que ninguém, Fernando Ortiz ajudou a criar uma consciência do
valor da cultura afro-cubana - num país cuja população inclui uma
parcela substancial de negros e mulatos – promovendo o estudo das
linguagens, das religiões, das tradições e da literatura de
origem afro-antilhana, ‘naquela Babel africana criada em Cuba pelo
tráfico negreiro’ ”.
Nicolás
Guillén, por sua vez, conhecido por sua poesia, desempenhou papel
importante como jornalista, publicando uma série de artigos em
“Ideales de uma Raza”, página negra no Diário de la Marina
(idem).
***
Embora
os conteúdos chamados “primitivos” de outras culturas tragam sua
contribuição para a pintura do Ocidente revitalizando-a, podemos
concluir que os mesmos conteúdos representam, também, uma ruptura,
de certo modo, com as convenções tradicionais. Ilustra bem o que
queremos dizer uma passagem na obra de Schwartz (1995: 581), em que
ele cita as palavras do crítico uruguaio Alberto Zum Felde
(1889-1976), que diz: “[...] merecem crédito os europeus, pois
ironicamente são eles, numa espécie de efeito bumerangue, que levam
os escritores [e aqui podemos incluir outras produções
artístico-culturais] latino-americanos a reconhecer a existência do
negro”.
Podemos
pensar a obra de Lam como uma extensão da mesma questão, isto é,
sua obra como algo que introduz um deslocamento no cenário artístico
ocidental, já edificando rupturas com a tradição, como efeito do
mesmo “bumerangue” mencionado por Felde. Se prestarmos atenção
veremos que sua pintura, com seus elementos primitivos, tão
exaltados e perseguidos pelos modernistas europeus, contém certa
agressão ao “bom gosto” burguês e o pintor nos confirma essa
impressão ao declarar, certa vez, que tinha vontade de criar
“figuras alucinantes, capazes de surpreender, de turvar os sonhos
dos exploradores”, conforme cita Max Pol Fouchet. As deformações,
as formas grotescas e repugnantes pintadas por Lam apresenta, com
efeito, um certo quê de épater le bourgeois, que é também
característico do Surrealismo, mas que pode ser lido como uma
ofensiva dos grupos considerados periféricos direcionada à estética
ocidental e seu gosto “legitimado”.
Esse
“corte colonial” (PARÍS, 1982: 36) que representa La Jungla,
segundo Mosquera, não busca uma “virada utópica”, mas pretende
ser aceita pela modernidade, obtendo um espaço não ocidental
dentro do próprio Ocidente, o que significa descentralizar,
transformar e “deseuropeizar” (idem) o discurso tradicional. Esse
é, acreditamos, o resultado principal, na produção plástica de
Lam, que nos deve saltar aos olhos.
Lam
influenciou de modo notável muitos pintores cubanos durante os anos
de 1940 e promoveu na região, em conjunto com o terreno já
preparado pelas manifestações, um gosto particular pelos temas
afro-cubanos. Com seu primitivismo pioneiro, o artista não só
inseriu elementos inéditos na arte ocidental, com sua participação
no grupo Surrealista, como também dinamizou a produção artística
local em sua ilha, trazendo uma nova espiritualidade, revolucionando
pontos de vistas e sentidos, no campo das artes de um modo geral. São
artistas como ele, consideramos, que devem ser lembrados a todo custo
e a despeito de todo o esforço da velha academia em promover o
movimento contrário.
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