"Mas
a noite chegou. É a hora estranha e ambígua em que se fecham as
cortinas do céu e se iluminam as cidades. Os revérberos se
sobressaem sobre a púrpura do poente. Honestos ou desonestos,
sensatos ou insanos, os homens dizem consigo: 'Enfim, acabou-se o
dia!'. Os plácidos e os de má índole pensam no prazer e todos
acorrem ao lugar de sua preferência para beber a taça do
esquecimento. G. será o último a partir de qualquer lugar onde possa resplandecer a luz, ressoar a poesia, fervilhar a vida, vibrar a música; de todo lugar onde a paixão possa posar diante de seus olhos, de todo lugar onde o homem natural e o homem convencional se mostrem numa beleza estranha, de todo lugar onde o sol ilumina as alegrias efêmeras do animal depravado! 'Foi, com certeza, uma jornada bem empregada', pensará certo leitor que todos conhecemos. 'Todos têm talento suficiente para preenchê-la da mesma maneira.' Não! Poucos homens são dotados da faculdade de ver; há ainda menos homens que possuem a capacidade de exprimir. Agora, à hora em que os outros estão dormindo, ele está curvado sobre sua mesa, lançando sobre uma folha de papel o mesmo olhar que há pouco dirigia às coisas, lutando com seu lápis, sua pena, seu pincel, lançando água do copo até o teto, limpando a pena na camisa, apressando, violento, ativo, como se temesse que as imagens lhe escapassem, belicoso, mas sozinho e debatendo-se consigo mesmo. E as coisas renascem no papel, naturais e, mais do que naturais, belas; mais do que belas, singulares e dotadas de uma vida entusiasta como a alma do autor. A fantasmagoria foi extraída da natureza. Todos os materiais atravancados na memória, classificam-se, ordenam-se, harmonizam-se e sofrem essa idealização forçada que é o resultado de uma percepção infantil, isto é, de uma percepção aguda, mágica à força de ser ingênua!"
“...há
uma grandeza em todas as loucuras, uma força em todos os excessos”
(C. Baudelaire, falando do poeta em Sobre a Modernidade, 1863).
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