O Discobolo de Miron (c. 455 a.C) |
As reflexões sobre a antiguidade, de J. J. Winckelmann (1717-1768), propõem
um comparativo entre a arte clássica e a arte moderna, numa análise em que o
autor concebe como único meio possível, pelo qual os artistas modernos poderão
se consagrar, a observação e imitação rigorosa dos antigos, dado que somente assim
se consagraram admiráveis artistas como Michelangelo, Rafael e Poussin:
“buscando o bom gosto na própria fonte”.
Os conhecedores e imitadores desses clássicos (gregos),
encontram em suas obras-primas mais do que a bela natureza, superam-na, pois
trabalham com belezas ideais, o que para eles advém apenas da própria
inteligência.
Notadamente, o autor atribui honrosa superioridade à estética
grega que teria um bom gosto bastante peculiar. A isso Winckelmann relaciona os
costumes gregos, cultivados desde a infância e reforçados na juventude que,
mais tarde, se revelam fundamentais na formação do que ele chama de “bom
gosto”. Os exercícios físicos praticados no momento adequado é o que rendem a
“forma nobre” à estrutura física dos jovens, tratando-se, assim, de uma educação
estética que começa já no trato do próprio corpo e a perfeição dos contornos cultivada
entre os antigos seria a própria inspiração para o campo artístico.
“Por esses exercícios, os corpos recebiam os grandes e viris
contornos que os mestres gregos deram às suas estátuas, sem ostentação e
fartura supérfluas”.
“Toda deformação do corpo era evitada com cuidado. Como
Alcibíades, na sua juventude, que não quis aprender a tocar flauta porque
deformava a face, os jovens de Atenas seguiram seu exemplo.”
Esses e outros apontamentos do autor nos dá uma ideia da
busca perfeccionista dos gregos como uma característica forte, que se dava nas
artes, mas também no âmbito da própria vida.
A bela forma do corpo era tão admirada que até mesmo as
vestimentas tinham o propósito de não ocultá-las, ao contrário da vestimenta
moderna, conforme observa o autor. Mesmo as mulheres, o chamado “belo sexo”,
não eram privadas de mostrar seus contornos.
Na preocupação em criar belas crianças, os gregos, para
estimular um aperfeiçoamento físico contínuo, organizavam competições de
beleza. Uma observação inequívoca das formas do corpo desempenhava tal
importância na formação dos jovens a ponto de os gregos instruírem seus filhos
a estudar desenho, o que, segundo apontamento do filósofo Aristóteles, os
habilitaria a julgar melhor a beleza dos corpos nessas competições.
Com respeito a essas práticas, o autor tece um elogio a
superioridade dos antigos sobre os modernos em termos estéticos, cuja passagem
é importante citar:
“...tudo o que foi
inspirado e ensinado pela natureza ou pela arte para favorecer a formação dos
corpos, conservá-los, desenvolvê-los e embelezá-los, desde o nascimento até o
crescimento pleno, foi realizado e empregado vantajosamente para a beleza
física dos gregos antigos, o que permite afirmar, com a maior probabilidade, a
superioridade dessa beleza sobre a nossa”.
Essa passagem nos confunde, de certo modo, sobre a ordem do
raciocínio: se é a perfeição na arte que inspira a busca de um corpo perfeito
ou o inverso. Contudo, nos momentos seguintes, a questão parece se esclarecer:
o autor afirma que, sendo o povo grego aquele que valorizava desde cedo os
prazeres e a alegria, a liberdade dos costumes foram preservadas, de forma que
o homem não fora privado de ver a natureza em sua pureza, ou seja, o nu não era
uma preocupação e justamente isso permitia aos artistas desfrutarem de visões
naturais, como os movimentos dos músculos, os contornos do corpo, as expressões
sinceras (e não de um modelo). Partindo dessa análise, não nos deixa dúvida de
que a arte perfeita é que foi consequência e o cultivo do corpo a inspiração.
“...cada festa entre os
gregos era uma oportunidade para os artistas conhecerem da maneira mais exata a
bela natureza”.
Esse fato, entre outros, é o que distingue a arte grega da
arte moderna - a oportunidade quotidiana de observar o belo que era privilégio
da primeira é justamente a desvantagem da segunda.
Para Winckelmann, essas diversas oportunidades de observar a
natureza renderam aos antigos uma tal habilidade que, na busca de se
aproximarem dela (a natureza), foram ainda mais longe e superaram-na,
construindo leis de perfeição com bases tão rigorosas que criaram uma beleza
idealista; não se limitando a seguir bases realistas, acabaram por assumir no
processo artístico também a função de melhorar a natureza: “certas noções que deviam se elevar acima da
própria natureza; uma natureza espiritual concebida somente pela inteligência
constituiu seu modelo ideal”.
Exposto isso, o autor considera que o caminho mais curto a
ser percorrido por aqueles que queiram atingir a qualidade dos antigos, será
mais estudando a beleza das estátuas gregas do que a própria natureza.
“Mesmo se a imitação da natureza pudesse dar tudo ao artista,
este não lhe deveria a exatidão de contorno que somente os gregos podem
ensinar”.
“O estudo da natureza para o conhecimento do belo perfeito
deve ser, no mínimo, um caminho mais longo e penoso do que o estudo das obras
da Antiguidade”.
“Quando o artista constrói sobre essa base e deixa a regra
grega da beleza dirigir sua mão e seus sentidos, está no caminho que o levará
com segurança à imitação da natureza”.
Dentre as qualidades que, segundo Winckelmann, distinguem a
obra dos antigo, além da bela natureza cultivada e o contorno nobre
desenvolvido por eles, além da simplicidade e singeleza de sua arte, o autor
comenta, também, a técnica do panejamento, ou seja, o modo como cobriam o nu
das figuras. O autor aprecia as dobras perfeitas que, sem ocultar os “belos contornos”, são feitas de vestes
finas e molhadas, aderindo ao corpo que “aparece
ao olhar sem constrangimento”.
Com tudo isso o autor reforça, como objetivo principal de seu
texto, a ideia de que os principiantes sigam, para obterem um trabalho bem
sucedido (e como fez Michelangelo), um modelo de trabalho em total conformidade
com o gosto genuíno da Antiguidade.
Sobre as pinturas, Winckelmann lamenta não podermos testemunhar
o mesmo talento observado na escultura (devido ao “tempo e a fúria dos homens”), contudo mostra-se convicto de que
os mesmos elogios poderiam ser feitos para as duas artes igualmente, não
obstante o fato de se negar aos gregos o dom da perspectiva, o que para o autor
funda-se sobre bases equívocas, dado que as pinturas que se tem por modelo são
de baixo relevo e foram descobertas em Roma, de modo que, possivelmente, não se
pode nem qualificá-las como gregas.
Em suma, podemos sentir, nos argumentos de Winckelmann, todo
o entusiasmo de uma época (século dezoito) que admira e nutre forte nostalgia
pela glória vivida na Antiguidade, que deixou fortes indícios de um espírito
elevado e senso estético extraordinário, gerando um desejo impetuoso de se
buscar um resgate desses modos, clássicos, como a maior grandeza que se pode
alcançar. A paixão com que o autor descreve os valores estéticos e mesmo os
modos de vida na antiguidade (o que contribuiu para sua estética primorosa) nos
permite imaginar a esperança que invadiu o espírito daquela época.
Bibliografia:
WINCKELMANN J.
J. “Reflexões sobre a arte antiga”. Porto
Alegre: Movimento, 1975.
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