As rupturas com o pensamento francês
Para analisarmos a leitura que fazem
os contemporâneos Sartre e Merleau-Ponty acerca dos temas
investigados - o intelectual, a liberdade e o engajamento - importa
antes destacarmos suas posições com respeito à tradição
filosófica francesa. Sabe-se que o tema “imaginário e liberdade”
é bastante presente no percurso do pensamento francês, o que será,
de certa forma, continuado pelas filosofias de Sartre e
Merleau-Ponty, como veremos adiante; por outro lado, o que também é
característico da tradição francesa, contudo objetado pelos
filósofos em questão, é o que podemos chamar de “espiritualismo”.
Herdado pelos sistemas filosóficos clássicos, sobretudo os de
Descartes e Kant, esse espiritualismo consiste na compreensão
dualista do ser, que postula nele uma cisão, como: corpo e espírito
ou fenômeno e coisa em si e assim por diante. A recusa desta segunda
característica da tradição francesa é o que compartilham,
guardadas algumas diferenças, os pensadores Sartre e Merleau-Ponty.
Enquanto Merleau-Ponty recusa essa
compreensão dualista do ser, por descordar profundamente que a
subjetividade possa estar separada da corporalidade, Sartre a refuta
por não conceber o espírito como uma “coisa” ou uma substância,
que seja dotada de essência; para ele o espírito ou a consciência
são apenas ato. Nas pegadas de Husserl, Sartre considera a
consciência como uma intencionalidade, como um movimento ou um
“vento” em direção a algo (2008: 42).
Exposto isso, podemos entender que
ambos se posicionam de forma crítica aos dualismos clássicos
filosóficos, com a diferença de que, se em Sartre há um desejo de
“dessubstancializar”, isto é, a compreensão do homem como
sujeito desencarnado: sua consciência compreendida não como
“coisa”, mas como um processo, que está em constante movimento e
é desprovido de uma essencialidade, veremos que em Merleau-Ponty,
embora este também descarte seu caráter substancial, a consciência
está relacionada, mesclada ao corpo, ela é “consciência
encarnada”. Ele dirá: “Sou tudo aquilo que vejo, sou um campo
intersubjetivo, não a despeito de meu corpo e de minha situação
histórica, mas ao contrário, sendo
esse corpo e essa
situação e através deles todo o resto [...]” e acrescenta que:
“a consciência se considera responsável por tudo, ela assume
tudo, mas propriamente ela não tem nada e faz sua vida no mundo”
(1999: 606).
O corpo, como aquilo que nos
propicia qualquer percepção acerca do mundo com que nos
relacionamos, como um “pólo de experiência” (idem) e, portanto,
como produtor de sentido, não pode estar separado do espírito. Dada
sua importância na exploração sensível do mundo, não se pode
ignorar, para Merleau-Ponty, o papel desempenhado pelo corpo e a
percepção do mundo propiciada por ele na construção de sentido e,
dessa forma, reivindicar a emancipação do corpo para a consciência
seria o mesmo que descartar parte essencial do trabalho na
constituição da própria subjetividade.
Dito de outro modo, a consciência,
que para Sartre é regida, por assim dizer, pela contingência,
movimentando-se como “vento”, atua, para Merleau-Ponty, em
conjunção total com o corpo, trabalhando juntos na experiência e
na construção da percepção do mundo, que de outro modo não se
formariam. Este é o mote, importa citar, da filosofia de
Merleau-Ponty: realizar uma revisão crítica dos dualismos, mas
sobretudo dedicando-se a resgatar uma espécie de encarnação do
espírito, como que ligando-o de volta ao mundo, sem que isso
signifique, no entanto, admiti-lo como uma coisa ou substância. Com
isso, o pensador acaba por formular um novo tipo de ser: a
consciência que se revela corpo; nem pura objetividade, nem pura
subjetividade, trata-se de um sujeito que traz consigo um corpo e que
deve ser considerado. Opondo-se a teoria cartesiana, Merleau-Ponty
busca explicar o ser humano a partir da experiência “viva”, que
o conecte ao mundo sensível. Essa revalorização da corporalidade
na composição do ser será importante para compreendermos, mais
adiante, o papel atribuído pelo filósofo ao gesto, ao comportamento
e à expressão na pintura, isto é, às linguagens do corpo humano
como - ao lado da escrita e da palavra – produtores legítimos de
sentido.
Não são poucas as diferenças e
semelhanças encontradas nos dois sistemas filosóficos; importa,
todavia, nessa etapa de nossa reflexão, fixar como ponto de partida
a ruptura desses pensadores com a tradição dualista do pensamento
francês, para a partir dela construírem suas teorias, nas quais
desenvolvem suas concepções, como já citamos, acerca da liberdade
e do engajamento por parte do intelectual.
O imaginário, a liberdade e o engajamento intelectual
Exposta a base conceitual
(“antidualista”) de que partem Sartre e Merleau-Ponty, para
pensarem a consciência (ou espírito) em caminhos diferentes – no
primeiro completamente desencarnada (não-coisificada) e, no segundo,
emaranhada ao corpo – cumpre introduzirmos aqui as questões
relacionadas à liberdade e o modo como elas desaguam na ideia de uma
responsabilidade por parte do intelectual: a noção de engajamento.
Para Sartre, o sujeito não tem uma
essência, tampouco uma finalidade e, dessa forma, encontra-se em
pleno desamparo, só podendo ser explicado pela liberdade – é ela
é, segundo Sartre, sua condição ontológica.
Isso nos permite pensar, segundo o
filósofo, que a constituição do sujeito está sempre em processo,
isto é, a própria existência é processo, pois, dado sua condição
(liberdade), nunca mostra-se fixa, determinada ou mesmo acabada, é,
ao contrário, sempre projeto, sempre busca e, compreendendo a
liberdade como contingência, paradoxalmente o homem só pode ser
definido pelo seu caráter “não-definível” ou não-determinável:
puramente contingencial.
Sartre diz que na infinita
contingência do mundo, estamos “condenados a ser livre” (2009:
678), isto é, há sempre que se fazer escolhas e mesmo o ato de não
escolher, o autor nos adverte, já constitui uma escolha. Isso quer
dizer que tal condição nos dá certo poder, na mesma medida em que
implica uma grande responsabilidade. Ocorre que, se não podemos
escapar da liberdade, também não podemos fugir ao seu par, sua
contrapartida. Se no nada (contingência) de que meu ser é composto,
tenho liberdade para mover-me para quaisquer direções, não posso
evadir-me da responsabilidade que isso me traz. A radicalização
formada pelo pensamento sartreano é que, sendo o sujeito pura
liberdade, está em seu poder a escolha de si, isto é, a construção
de si mesmo - “escolhendo-me é que me faço ser” (idem) - ainda
que dentro de certos limites, impostos pelas situações dadas (tais
como sexo, local de nascimento e outros) – subentendendo-se nessa
construção de si mesmo, a escolha de valores, a própria criação
deles e a geração de sentido.
Se assim é, se a liberdade permite
a construção de si, a criação de sentido e de valor, começamos a
visualizar de que modo o intelectual é chamado a um compromisso com
sua sociedade. Na possibilidade de valer-se de sua liberdade e “criar
valor”, o intelectual (o escritor), por meio do romance ou da prosa
(modalidades ideais para Sartre), tem o dever de chamar seu leitor,
por uma espécie de “apelo” (2004: 39) a uma reflexão crítica
acerca de seu mundo, fazendo, diz o autor, com que ninguém possa
ignorá-lo ou “considerar-se inocente diante dele” (2004: 21). O
intelectual carrega, pois, esse dever de incitar em seu leitor uma
reavaliação dos sentidos e dos valores, possibilitando-lhe uma
reconstrução dos mesmos. Eis o compromisso do escritor - e seu
trabalho, importa esclarecer, deve estar comprometido não só com
seu tempo, como também orientar-se por um viés político.
Notamos que, no que toca a produção
de sentido, se em Merleau-Ponty nosso ponto de partida é o corpo e a
percepção, em Sartre ele será o imaginário – é ele, sendo pura
liberdade, o espaço onde se pode abrir horizontes de experiência e
criar o possível. Assim, se em Merleau-Ponty (1952: 99) o homem, na
relação com seu corpo, é tido como ser simbólico (“qualquer uso
humano do corpo já é expressão primordial”); se seu
comportamento, gestos e palavras, é o que produz sentido, em Sartre
é antes na imaginação que esta produção se dá. O que faz
Sartre, a partir deste cenário, é: instaurando uma ponte entre o
imaginário (liberdade) e o exercício do engajamento, indicar o
intelectual como o responsável por essa intermediação e como o
instrumento fundamental nesse movimento.
Em Merleau-Ponty, como mencionado,
encontramos uma abordagem diferente do imaginário. Ele destaca antes
o caráter corpóreo das produções imaginárias, como parte
integrante de um todo que só assim poderia produzir sentido. A
predominância da razão, como uma “instância superior” não tem
lugar na filosofia de Merleau-Ponty (RAMOS, 2010). Este pensador, ao
contrário, instaura o primado da corporalidade como parte
fundamental da consciência e, dado que a reflexão é experimentada
no corpo, ele postula, como visto, que somente entrelaçados, e não
de outra forma, corpo e consciência, realizam a produção de
sentido. Nesse aspecto, Merleau-Ponty parece colocar em evidência um
ponto frágil do pensamento sartreano que, ao deixar de observar o
papel do corpo na produção de sentido, ressaltando somente o
imaginário, incorre - não obstante sua objeção ao espiritualismo
francês - em um idealismo de base semelhante e que revela-se
incoerente com o teor de sua filosofia. Embora a imaginação se
mostre liberdade absoluta da consciência, como quer Sartre, ela nada
faria, ressalta Merleau-Ponty, sem um corpo que a pusesse em contato
com o mundo sensível.
A partir desse embate, importa para
nosso trabalho pensar que se na produção artística o imaginário é
largamente solicitado, a experiência sensível também o é – e
nela, afirma Merleau-Ponty, também abre-se horizontes e perspectivas
significativos, como veremos a seguir.
A questão do engajamento em
Merleau-Ponty nos convém desenvolver melhor no próximo tópico,
dado que para isso precisaremos falar minuciosamente sobre a
modalidade da pintura.
A literatura e a pintura
Como sabemos, a modalidade
privilegiada por Sartre no exercício do engajamento é a literatura
e, portanto, a figura em destaque é a do escritor. Para este
filósofo a literatura é o elo entre imaginação e liberdade; com
ela o sujeito experimenta o exercício da mesma, ao participar de um
“desvendamento crítico” do mundo. Mais especificamente, o
romance ou a prosa convidam o leitor ao exercício do engajamento ao
explicitarem, de diferentes formas, críticas acerca do mundo dado,
as quais se seguem de propostas de transformações do mesmo. Como
vimos, o papel do intelectual é, comprometido com seu tempo,
construir sentido e permitir uma ação “desvendante”, sempre
prenhe de novos significados. Aqui, o papel do leitor, cumpre citar,
é tão importante quanto o do escritor, pois que ao desvendar o
objeto de leitura, ele também está realizando uma criação, que
não ocorre, no entanto, de maneira automática, isto é, mais do que
ler as palavras como signos, é preciso, diz Sartre mergulhar-se na
obra, lançar-se para além da escrita, entregar-se; é preciso
“atravessar” a obra (2004: 37).
O processo da leitura consiste,
pois, em uma “criação dirigida”, cabendo ao leitor conectar os
dados fornecidos pelo autor e construir, a partir de sua própria
subjetividade, o sentido que permeia a obra. A esse respeito, Sartre
afirma que “o objeto literário não tem outra substância a não
ser a subjetividade do leitor” (2004: 38). Há, de fato, um convite
por trás de toda escrita, que só é aceito pelo leitor, mediante a
própria leitura, sendo que, a partir dessa característica, o
filósofo distingue a prosa da poesia: caracterizando-se mais pela
utilidade do que pela beleza, o texto literário é especial no
sentido de valer-se da linguagem sempre com uma intenção, a de
comunicar algo que incite à ação, mais do que à simples
contemplação.
Podemos notar que para Sartre o
engajamento está, grosso modo, no ato de compreender que a liberdade
é atividade criadora e, partindo desta premissa, orientar a
experiência estética (neste caso do leitor) para uma possível
vontade de ação é o que constitui o ato engajador de uma obra. Em
seu texto Que é a
Literatura?, Sartre não
nos deixa dúvida de que esse é para ele o sentido do fenômeno
estético, ao afirmar que “o mundo é minha tarefa” (2004: 49).
Posto isso, passamos para a análise
que faz Merleau-Ponty acerca do mesmo tema. Primeiramente podemos
pensar que a diferença mais marcante entre os dois filósofos é o
fato de que, embora a noção de engajamento esteja presente em
ambos, se em Sartre ele se configura como urgente, em Merleau-Ponty
seu ritmo será lento. Se no primeiro o engajamento na obra de arte
deve ter um viés político e estar comprometido com seu tempo,
veremos no segundo um afrouxamento desses limites, não sendo
necessariamente o conteúdo expresso e político o único a gerar no
indivíduo experiências que possam abrir novas dimensões de
experiência e suscitar transformações.
Para Merleau-Ponty a pintura é a
grande arte. O poder de expressão pictórico guarda em si uma gama
de possibilidades; ele explora dimensões diversas do real e suscita
relações com o mundo que a linguagem, por sua vez, teria muito
trabalho para realizar (1952: 84).
Com efeito, a predileção pela
pintura nos remete à compreensão que faz Merleau-Ponty da chamada
consciência encarnada, isto é, vincula-se ou justifica-se pela
ideia do corpo como produtor de sentidos. Ocorre que, se a
subjetividade se constrói, como vimos, na exploração sensível do
mundo - por intermédio do corpo - merecem destaque, segundo o
autor, não só a consciência (o imaginário), mas também a
percepção e a expressão, traços constituintes na arte pictórica.
O corpo, para Merleau-Ponty, é em
si um campo simbólico, ele carrega um passado (uma vivência) e abre
por gestos (além de palavras), articulando percepção e expressão,
uma dimensão do possível. O corpo é um “sistema de sistemas”,
diz o filósofo; “votado à inspeção de um mundo”, ele é
“capaz de transpor distâncias, de desvendar o futuro perspectivo,
de desenhar [...] um sentido” (1952: 99).
O que faz Merleau-Ponty é,
sobretudo, valorizar a experiência sensível - “encarnada” - e,
mais importante, não restringindo a produção de sentido
exclusivamente às formas conceituais. Acerca disso, o autor afirma
que a “expressão do mundo” não deveria estar sujeita aos
conceitos fechados, mas antes à poesia. Ele explica: “é preciso
que ela seja poesia, isto é, que desperte e reconvoque por inteiro o
nosso puro poder de expressar, para além das coisas já ditas ou já
vistas” (idem, p. 82). Em uma palavra, o autor nos atenta para o
fato de que se a própria consciência é uma experiência encarnada,
corpórea e no mundo, não há razão para priorizar o conceito em
detrimento da experiência sensível - tão representada na pintura.
Ocorre que, segundo o autor, há emblemas simbólicos que aguardam
ser explorados nos mais diversos modos e tais emblemas, como ele
demonstra, não estão exclusivamente na escrita.
Pintor e escritor desvendam
igualmente aspectos do mundo, com a diferença de que na pintura, a
linguagem é “muda”, linguagem do visível - o que não
significa, contudo, que ela não possa ser lida; trata-se de uma
“linguagem tácita”, mas que fala “a seu modo” (idem, p. 76).
L. Afremov |
Compreendido a apreciação de
Merleau-Ponty pela expressão pictórica, resta-nos compreender a
leitura que ele faz a respeito do engajamento e de que modo ele
estabelece uma relação entre as duas coisas.
Merleau-Ponty nos diz que, se
observarmos o curso das coisas, notaremos que o mundo nos provoca
constantemente; trazendo sempre novas inquietações, ele nos “pede”
com frequência para “ser pintado”, ou seja, para ser
interpretado. Neste âmbito, podemos pensar, situa-se a pintura: ela
responde a esse impulso da sensibilidade que se quer visível. Mas
para além disso, acrescenta o autor, ela responde a uma tarefa
histórica; retomando o projeto de outros pintores, uma obra
pictórica encontra-se sempre em um ponto entre um passado e um
futuro, isto é, executando seu “momento” tacitamente, ela
“desperta ecos” em direção a uma coisa e outra, “se une”,
diz o autor “a todas as outras tentativas na medida mesma em que se
ocupa resolutamente de seu mundo” (1952: 93).
Como isso se relaciona com o
engajamento? Para Merleau-Ponty há um discurso na pintura - na
história da pintura - e a responsabilidade do artista consiste
justamente em participar com seu “momento” (entre um passado e um
futuro) desses desdobramentos do discurso, na linha extensa do tempo.
O engajamento do artista é, para além de seu tempo, histórico, e
nesse sentido, diz Merleau-Ponty, ele sempre retoma uma “tradição”,
na medida em que também “funda” uma (1952: 94).
Certo de que todos os pintores
concentram-se numa “única tentativa” (1952: 101), Merleau-Ponty
afirma que há sempre uma “busca” ou uma “questão” sendo
continuada nas obras (1952: 69) e, desse modo, toda obra que dê
seguimento a esse trabalho já é, para o autor, engajada.
Posto isso, podemos compreender o
caráter lento do engajamento em Merleau-Ponty: essa “tentativa”
descrita acima, que se constrange entre passado e futuro e que sempre
retoma questões inacabadas, pressupõe, não a urgência (de
Sartre), mas antes uma espera. O autor atenta que não se pode exigir
do intelectual e seu engajamento um resultado instantâneo, seja no
pintor, seja no escritor, estas figuras desempenham seu papel
(participam) num curso longo do tempo, que só lentamente vai
produzindo e reproduzindo seus desdobramentos, nos mais diversos
modos e, dessa forma, o engajamento das chamadas “obras da
cultura”, não se restringe a um tempo, nem obedece a orientações
determinadas. Seu trabalho situa-se para além de seu próprio tempo
e seu cultivo se dá a longo prazo. A esse respeito, recorrendo a
filosofia hegeliana e numa posição contrária à de Sartre,
Merleau-Ponty entende a história como “inscrição e acumulação,
para além dos limites de países e dos tempos”, ou uma “maturação
de um futuro no presente e não o sacrifício do presente a um futuro
desconhecido”, e nele, diz ainda, “a regra da ação não é ser
eficaz a qualquer preço, mas principalmente ser fecunda” (1952:
107).
Podemos concluir que é pautando-se
por essa ideia de fecundidade que o trabalho do intelectual, em
Merleau-Ponty, limita-se a despertar no indivíduo os emblemas que
possam semear novos sentidos, admitindo-se aqui o futuro (em lugar de
“seu próprio tempo”, como em Sartre) e um horizonte amplo de
experiências, para além de um viés determinado. É, enfim, esse
campo aberto o que Merleau-Ponty valoriza na arte pictórica e seu
modo de produzir sentido. Enfatizando que o trabalho do pintor e do
escritor exigem um esforço intelectual semelhante e dando destaque
sobretudo à compreensão, aqui subentendida, de que o corpo, em si,
é uma expressão espontânea e cheia de sentidos, o autor concluirá,
enfim, que “é legítimo tratar a pintura como uma linguagem”
(idem, p. 109), ainda que indireta, concluindo que “a linguagem diz
e as vozes da pintura são as vozes do silêncio” (idem, p. 115).
Enfim...
Notamos que, no curso de nossa
investigação, evidencia-se, entre divergências e aproximações, o
fato de que Merleau-Ponty e Sartre, como já esboçado, não se
mostram inteiramente em desacordo. No trabalho de Merleau-Ponty, que
se esforça em reconciliar as posições dos intelectuais – pintor
e escritor - sem instaurar qualquer predomínio de uma sobre a outra,
destaca-se o ato de demonstrar, acima de qualquer coisa, que ambas as
artes realizam a mesma tentativa, de expressão criadora e em cujo
silêncio residem inúmeras possibilidades de experiência.
Pensar o silêncio como um “lugar”
de significados já é, em si, uma reflexão inovadora. Mas para além
disso, ao pensar que observar um quadro, como ler um livro, consiste
em “desvendar” o mundo, somos conduzidos a valorizar a arte, em
geral, como atividade e dimensão fundamental da experiência humana.
Enfim, o que este filósofo faz - ao lado de Sartre - é nos chamar
atenção para a possibilidade que se tem de abrir, no interior
próprio da cultura, novas dimensões de experiência, nos lembrando,
com isso, que “o espírito do mundo somos nós, a partir do momento
em que sabemos mover-nos,
a partir do momento em que sabemos olhar”
e esse
“milagre”, ele diz, “nos é natural [...] começa com a vida
encarnada”.
Bibliografia
MERLEAU-PONTY,
M. Fenomenologia da
percepção. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
MERLEAU-PONTY,
M. A Linguagem indireta e
as vozes do silêncio.
São Paulo: Cosac & Naify (publicado originalmente em Les Temps
Modernes, jul. 1952 pp 2113-44; ago.1952, pp. 70-94).
RAMOS,
SILVANA DE SOUZA. Filosofias:
O prazer do pensar. São
Paulo: Martins Fontes, 2010.
RAMOS,
SILVANA DE SOUZA. À Flor
da pele. In: Revista
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J.P. Que é a Literatura?
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SARTRE,
J.P. O Ser e o Nada.
Petrópolis: Ed. Vozes, 2009.
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Revista Espaço Acadêmico, no. 87, Agosto de 2008. In:
www.espaçoacademico.com.br/087/87silva_franklin.htm (acessado em
31/03/2014).
Sites
consultados:
http://www.dgz.org.br/abr10/Art_05.htm
(texto A Leitura segundo
Sartre, de Clarice
Fortkamp Caldin).
(acessado
em 01.06.14)
https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/10/chaui-marilena-filosofia-e-engajamento-em-torno-das-cartas-de-ruptura-entre-merleau-ponty-e-sartre.pdf
(acessado em 01.06.14)
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