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sexta-feira, 12 de julho de 2013

Espiritualidade, religiosidade e outras formas de arte




Foi folheando umas páginas velhas de uma enciclopédia perdida na biblioteca que, com o mais aberto dos corações, busquei um capítulo sobre a história do islamismo, inédito para mim. Por alguma razão nunca tive a curiosidade de ler algo sobre esse universo. Embora minha reflexão não tenha como foco o islamismo em si, mas sim a religião em geral e outras criações humanas, fiquei espantada com algumas passagens, que me levaram a criar esse texto que aqui escrevo.

Como previsto, ao realizar minha leitura, descubro que no interior dessa doutrina residem os velhos elementos de sempre, fundamentais de toda religião: entre outras coisas, a perspicácia do fundador e a inocência dos adeptos. Mas isso não é novidade e também não é o objetivo do que escrevo. O que importa dizer é que, conforme eu lia, a pergunta que ia se formando em minha mente era: “porque nós, humanos, somos inclinados à religiosidade ou espiritualidade?”

Voltando às minhas descobertas do islamismo – inspiração para a conclusão que virá - confesso que não esperava  que o profeta Maomé (570 – 632 d.C) tivesse sido uma figura política e militar ! (“um extraordinário estadista” é o termo que lhe atribuem), que chefeou uma expedição contra a Síria aos 61 anos de idade (penúltimo de sua vida) e que precisamente essa expedição foi o embrião da “Jihad”, a guerra santa.

O interesse essencial do criador não tarda em se revelar: o pretenso profeta  tinha como objetivo tornar aquela multiplicidade de tribos árabes (os clãs), em uma unidade nacional.

E (aqui está a astúcia de Maomé) nada como um Deus comum, que esparrame calorosamente suas ameaças sobre a comunidade, para lograr tal empreendimento.

Li também (para terminar esse resumo bem superficial) que a incrível adesão de novos fiéis se deu principalmente entre os anos de 624 e 627, quando houve três conflitos violentos entre os fiéis do profeta e os habitantes de Meca (atual Medina), das quais os adeptos de Maomé saíram sempre vitoriosos, e isso foi ingenuamente interpretado como um sinal, um sinal de que esses seriam os verdadeiros protegidos de “Alá”. Foi a partir de então que se testemunhou um surto de novas adesões à religião.

Pois bem. É desconcertante pensar nos rumos equívocos tomados pela história, essa filha do homem, e nos descaminhos em que ela se perde, que são muitas vezes (como me pareceu neste caso) produto da imaginação, de associações absurdas, de deduções desprovidas de qualquer fundamento, que, lamentavelmente, acabam tomando grandes  proporções e construindo episódios tão nefastos para a história humana.

Fiquei pensando nos conflitos religiosos, esses genocídios tão antigos e tão atuais, na guerra santa, que no fundo é tão bárbara, e, cheia de perplexidade, senti enorme pena desses fiéis que são assombrosamente enganados e que (neste caso) agem com tanta selvageria, em nome de um mero personagem, uma verdadeira ficção! Porque, evidentemente, não parece sensato admitir um Deus que incentive a violência em nome da fé, de qualquer maneira - e isso é o mais triste - pensei em como esses fiéis só agem de tal forma por terem tido suas vidas e consciências roubadas - essas sim, eram sagradas e foram profanadas.

Veja só, como é aterrador pensar nos danos e nas vítimas decorrentes de uma mentira histórica.

Essas “ficções” são geralmente construídas em tempos arcaicos da intelectualidade humana, onde o discernimento e o senso crítico ainda não tinham nascido e por isso mesmo são admitidas facilmente por pobres criaturas, perdidas no mar de sua ignorância, sedentas de qualquer história, história que lhes distraia e também que lhes esclareça alguma coisa, que lhes seja guia e lhes traga algum consolo em meio a tantas mazelas. É de se esperar que, diante de tal carência, sempre surja um astuto, parece ser assim em todos os lugares, em todos os tempos. O astuto um dia morre, mas em vida trabalha arduamente para garantir a perenidade de sua criação, seu desserviço sobrevive bravamente aos séculos, e só o fazem por encontrarem abrigo nas mentes submissas, inautênticas, que, sem nenhum questionamento, seguem sustentando a perenidade de seu próprio algoz, sem nem mesmo se darem conta.

O problema começa quando um cidadão resolve se tornar um profeta, um escolhido de “Deus”, para receber a “verdadeira" (a milésima!) revelação, para à partir de então começar a construir seu castelo e, movendo comunidades inteiras, promove simultaneamente o atendimento de seus interesses (sejam eles privados, políticos, ou de qualquer natureza) e um massacre tão irracional quanto sangrento.

Dado isso, torna-se irrefutável a importância de se buscar informações alternativas às superstições que nos implantam ainda na maternidade, já que somente isso, parece, poderia dar fim a enganos históricos como este, que acabamos admitindo com o nome simpático de “tradição”.

Fechei o livro. A pergunta agora : teria o próprio Maomé - como é sabido, um cidadão comum - também acreditado nisso?
Ele se acreditava mesmo um profeta?? (mas que vaidoso...).

Não é preciso ser muito esperto para entender o que na história sempre se testemunhou:  é para o interesse de poucos que grandes massas se mobilizam. Essas criaturas, essas sim demoníacas, se vão um dia, mas deixam sua venenosa tradição, e nós os símios, tão debilmente quanto o mais esperto dos macacos, tratamos de garantir sua propagação. Por preguiça, preguiça de pensar! 

Para finalizar, o que me veio a mente como conclusão, após essa leitura superficial de hora de almoço, entre outras coisas, foi que essas “histórias” (verdadeiras lendas)  sempre existiram e sempre gozaram de alta receptividade (no começo enfrentam resistência, é verdade, mas passado algum tempo, acabam sempre gozando de uma adesão inacreditável) e deve ter sido assim, historicamente assim, porque o ser humano gosta mesmo das ficções, mais, o ser humano precisa delas, ele precisa exercitar sua imaginação, seu lado fantástico; ele precisa criar o místico, como precisa fazer arte, ele precisa disso para viver, para se distrair e para se consolar -  "para suportar a verdade", já dizia um rígido filósofo na Alemanha. De qualquer maneira, para minha surpresa e pela primeira vez, vi alguma graça nisso tudo, percebi toda uma estética no misticismo, que me pareceu, agora, uma coisa  genuinamente humana, ao ver que se pode pensá-lo de forma análoga a coisas como a poesia e outras criações, outras realizações artísticas.

Mitologia grega, budismo, judaísmo, cristianismo, islamismo, cientologia!...das religiões  milenares às mais amadoras e juvenis seitas,  é curioso observar como todas elas parecem ter algum ponto de encontro e como elas bebem uma da outra, como se fosse um único caldo histórico que alimentasse todas elas -  esse caldo histórico, que irriga e mantém vivo toda essa flora, nada mais é do que a imaginação humana, que, embora aparente adquirir novas formas com o passar do tempo, preserva sempre a mesma essência tão primitiva, mística - humana acima de tudo. E quanta beleza não há nisso? (isto é, se fecharmos os olhos para todos os males que também há nisso).

O maior ponto de encontro, portanto – e para mim isso responde a muitas coisas -  é seu criador: é o homem a sua gênese, esse artista excepcional, que cria e recria  periodicamente o seu mundo, que dá a ele, de tempos em tempos, as mais diferentes formas e interpretações, das mais convencionais às mais esdrúxulas; é ele que invalida e revalida, mata e fecunda, crê e duvida; é o homem que infla de vida as mais elevadas criações: a poesia, a música, a religião, a filosofia, a espiritualidade em geral e outras formas de arte. É do homem, e não d’outro lugar, que brota essa infinita panacéia ontológica.
Dessa perspectiva, é verdade, a religião (se vista como filha da arte)  ganha um valor interessante, ao tornar-se um adorno importante que embeleza (e suaviza) a vida, mas...não percamos o bom senso!