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quarta-feira, 14 de maio de 2014

A Construção da Mentalidade Clássica na Arte Ocidental




Laocoonte - Museu do Vaticano




A arte deve ter estado presente em todas as épocas da humanidade, desde que definamos como arte toda atividade humana. Desenvolvida por diferentes razões, seja a partir da necessidade de algum utensílio, seja por crenças mitológicas, seja por vontade de adornar objetos, lugares, pessoas ou até mesmo pela simples vontade de criar algo à partir da imaginação, a arte busca atender a diferentes finalidades, das mais simples às mais elaboradas ou nobres, e por isso mesmo constitui “um dos aspectos mais ricos e significativos da produção humana” (PROENÇA: 10).

Segundo E. Fischer, em “A necessidade da Arte” (p. 42), cabe citar, “o primeiro a fazer um instrumento, dando nova forma a uma pedra para fazê-la servir ao homem, foi o primeiro artista”. Encontraremos exemplos práticos interessantes, dessa produção, nos períodos pré-históricos Paleolítico e Neolítico, à partir dos quais a história da arte ocidental é contada, seguidos das artes egípcia e grega. Essas últimas compõem o que podemos chamar de mentalidade clássica na arte ocidental e em períodos posteriores, como no Império Romano e, séculos mais tarde, na Renascença italiana, esse estilo e mentalidade, clássicos, servirão de grande inspiração, em torno dos quais se edificarão sistemas e escolas que se debruçarão no projeto de resgatar seus princípios.

Mas antes de falarmos da arte clássica, convém abordar, brevemente, alguns detalhes dos períodos Paleolítico e Neolítico, ilustrando, de certo modo, o que Fischer quis nos dizer.
O homem, ser frágil, facilmente vencido pelas forças da natureza, teve sempre que preocupar-se em produzir artefatos para, se não dominar, ao menos tentar transformar o meio natural, criando instrumentos e aperfeiçoando-os, de modo que estes lhe pudessem auxiliar em seu quotidiano ou mesmo ajudá-lo a sobreviver, propriamente dito.  Contudo, esta não é a única finalidade visada pela   produção artística, como podemos constatar já na Pré-História. Esse período, que é anterior à escrita, não nos deixou documentos, entretanto, são os objetos e imagens (como as pinturas nas cavernas) deixados por ele que nos contam sua história.

É no período chamado Paleolítico Superior (cerca de 30.000 a.C.) que os pesquisadores registram as primeiras manifestações artísticas, como é o caso, por exemplo, das cavernas de Lascaux e Altamira, situadas respectivamente na França e Espanha. Essas manifestações ainda são muito simples, consistindo em traços ou as chamadas “mãos em negativo” (PROENÇA, p. 11), surgindo somente mais tarde desenhos e pinturas de animais, nas paredes das cavernas. Aí, já encontramos uma vontade de mímese e um naturalismo na produção artística, tão perseguidos e aperfeiçoados, posteriormente, pelos gregos. Pintava-se, então, os seres, os animais, reproduzindo-se a natureza tal como se a via. Sobre os motivos que os levavam a produzir essas imagens, a explicação mais comum atualmente é a de que essa arte era feita por caçadores e constituía um processo de magia, onde aquele que produziu a imagem supunha ter sobre ela certo poder.

Já no período Neolítico (cerca de 10.000 a.C.), último período da Pré-História e já mais próximo da civilização egípcia, passou-se a construir armas e instrumentos com pedras, a partir do atrito. Além desse aprimoramento técnico, “o acontecimento mais significativo” (idem, p. 13) deste período foi o início da agricultura e da domesticação de animais, o que significa que a vida antes nômade, torna-se mais estabilizada, fixa. O homem do Neolítico desenvolve a técnica de tecer panos, fabricar cerâmica e construir as primeiras moradias – conquistas técnicas que terão desdobramentos importantes na arte egípcia, como veremos. Além de desenhos e pinturas, o artista do Neolítico produzirá esculturas em metal representando a vida coletiva, como é o caso dos guerreiros, as mulheres e outras figuras sociais. É também nessas sociedades que surge a primeira forma de escrita - a pictográfica - à partir dos desenhos realizados nas paredes das cavernas.

Exposto isso, podemos realizar um salto para a arte egípcia (cerca de 3.000 a.C.). Situada em uma das principais civilizações da Antiguidade, com uma organização social bastante desenvolvida e realizações culturais bastante ricas, a arte egípcia nos deixou vastos registros de seu tempo, sobretudo, por já possuir uma escrita bem estruturada.

O aspecto mais característico da cultura egípcia é a religião. Tudo no Egito era orientado por ela e com a arte não foi diferente. A religião, que justificava toda a organização social e política, é o que orientou a produção artística desse povo. Havia a crença de que as preces e os ritos religiosos podiam assegurar a felicidade na vida mundana e mesmo no pós-morte, além de influenciar em fenômenos da natureza, como a fertilidade do solo ou o problema das enchentes (idem, p. 15).

Crendo em uma vida após a morte, essa sociedade desenvolveu seu fazer artístico voltado para, de um lado, os túmulos, sarcófagos e estatuetas (para o “além-morte”), além de construções mortuárias e, de outro, a demonstração de poder, isto é, os grandes monumentos, que serviam para atestar a grandiosidade do poder político (e religioso também) do faraó. (A sociedade dividia-se, grosso modo, entre os faraós, nobres e sacerdotes de um lado e os comerciantes, artesãos e camponeses, do outro. Às margens encontrava-se a maior parte da população: os escravos).

Entre as obras arquitetônicas mais famosas, e que servem de demonstração de poder, podemos citar, ao lado de estátuas gigantescas e imensas colunas, as pirâmides de Gizé, tendo a maior delas – Quéops – quarenta e seis metros de altura, além da Esfinge do faraó Quéfren, a mais famosa do Egito (ambas do séc. XXVII – XXVI a.C.).

Por servir de veículo para a difusão dos preceitos e das crenças religiosas, a arte egípcia era inteiramente padronizada, não dando abertura à criatividade ou imaginação. Deste modo, os artistas egípcios eram anônimos e sua obra não constituía (não pretendia ser) “arte”, mas sim técnica, apenas; na pintura, por exemplo, seguia-se regras rígidas, como a “lei da frontalidade”, tão característica na arte egípcia.  Com isso, os artistas não desenvolviam um estilo pessoal e nem podiam aproximar-se de uma reprodução naturalista do mundo; a convenção era, ao contrário, de que a arte deveria ser mera representação, sem pretender buscar uma “ilusão de realidade”, seguindo, pois, a padrões rígidos de uma arte idealista. Em uma palavra, o convencionalismo das técnicas na produção artística egípcia restringia-se a representar a aparência idealizada (e não propriamente real) dos seres.

O Egito foi invadido sucessivas vezes por outros povos, como os etíopes, os persas, os gregos e os romanos e isso vai desorganizando sua sociedade e, por consequência, também a sua arte que, sob influência dos povos invasores, vai se alterando gradativamente e perdendo sua originalidade.

Seguindo, a princípio, os preceitos da arte egípcia, contudo afrouxando o convencionalismo estabelecido por ela, serão os gregos que darão impulso à próxima “etapa” importante na história da arte ocidental e que sedimenta o que chamamos de mentalidade clássica. Dentre os povos da Antiguidade são eles que apresentaram uma produção cultural “mais livre” (idem, p. 27). Em consonância com sua crença de que o homem é a criatura mais importante do universo, e com sua filosofia de que o conhecimento (razão) está acima da fé, os artistas gregos não submeteram-se à autoridade de reis ou sacerdotes. Assim, embora os gregos tenham ficado admirados ao entrar em contato com a arte egípcia (com a intensificação do comércio, as cidades-Estado acessam as culturas do Egito e do Oriente), sua produção artística trilhará caminhos diferentes. O artista grego, nos diz o historiador da arte E. H. Gombrich, “não se contentou em obedecer qualquer fórmula [...] e começou a fazer suas próprias experiências [...] queria saber como ele iria representar um determinado corpo” (p. 48). Dito de outro modo, o idealismo da arte egípcia dará lugar a um realismo e no lugar da religiosidade, de uma arte voltada para o “além” (tão privilegiado pelos egípcios), a arte grega voltará-se, sobretudo, para a beleza e para a vida presente.

No período Arcaico (séc. VIII – VI a.C.), os gregos começam a esculpir em mármore grandes figuras humanas (a escultura, vale lembrar, é a produção artística privilegiada nesse período). Já sabemos que esses escultores partem de princípios egípcios (idem, p. 48), mas, enquanto os egípcios buscavam a simples retratação de um homem, para o grego, ele tinha que ser, também, um objeto “belo em si mesmo” (PROENÇA, p. 28), como podemos ver nos chamados kouros (que significa “homem jovem”).

Escultura - classicismo grego
Livres das convenções (as estátuas gregas não tinham função religiosa), como já mencionado, a escultura grega pôde desenvolver-se livremente e, assim, o escultor grego começa a buscar aprimoramentos, dinamizando as formas. Ele começa a alterar sua postura rígida, dando-lhe mais movimento, como podemos ver no Efebo de Crítios (cerca de 480 a.C.): sua cabeça tem uma ligeira inclinação para o lado, seu corpo não apoia-se igualmente sobre as duas pernas, mas descansa sobre uma delas, além de deslocar um pouco o quadril para o lado. Tudo isso denota um forte desejo de naturalismo, pois, para além de representar um homem (inerte), deseja-se representá-lo também andando ou em movimento, em vida. “Estavam empenhados”, diz Gombrich (p. 69), “em insuflar cada vez mais vida nos corpulentos [...] modelos antigos”, e não só isso, “a liberdade de representar o corpo humano em qualquer posição ou movimento”, dirá o mesmo autor (p. 60), “podia ser usada para refletir [mesmo] a vida interior das figuras representadas” sendo que “é essa capacidade”, acrescenta, “para nos fazer ver a ‘atividade da alma’ na postura do corpo, que converte uma simples lápide [...] numa grande obra de arte” (p. 62).


A maior descoberta, que foi um “tremendo momento na história da arte” (GOMBRICH, p. 51) foi feita pelos pintores por volta de 500 a.C.: trata-se do escorço, o ato de pintar um pé “tal como é visto de frente”. Daí vem o obsessivo aperfeiçoamento da estética grega, “pintar as coisas como são vistas”, especialmente no período Clássico (Séc. V – IV a.C), considerado o apogeu das atividades intelectuais, artísticas e políticas da cultura helênica. Essa busca por um naturalismo maior e, portanto, uma leveza maior na produção estatuária, leva os artistas a substituírem o mármore pelo bronze (menos duro e mais resistente).

Ainda sobre a evolução, inédita, ocorrida entre os gregos, destacam-se também os campos da ciência e da filosofia, que, certamente, exercerá influência no campo artístico. Gombrich nos diz (p. 52):


“A grande revolução da arte grega, a descoberta das formas naturais e do escorço, ocorreu numa época que é, de todo em todo, o mais assombroso período da história humana. É a época em que o povo das cidades gregas começou a contestar as antigas tradições e lendas sobre os deuses, e a investigar sem preconceitos a natureza das coisas”.



Acerca disso disso, acrescenta o autor, “foi no período em que a democracia ateniense atingira seu nível mais elevado que a arte grega chegou ao apogeu de seu desenvolvimento” (idem). Tudo isso nos ajuda a compreender esse fenômeno, ocorrido na Grécia, chamado por Gombrich de “O Grande Despertar” (os cem anos que decorrem entre 520 e 420 a.C.). Em A. Hauser, outro importante historiador da arte, o mesmo período é chamado de “A Era do Iluminismo na Grécia” e, a respeito das principais transformações na dimensão estética, ele diz (p. 90):


“À medida que o século V a.C. se aproxima do fim, os elementos naturalistas, individualistas e emocionais de sua arte ganham extensão e importância cada vez maiores. Ocorre uma mudança de ênfase do típico para o particular, da concentração para a diferenciação, do comedimento para a exuberância”.


Ao lado das esculturas, destacam-se também a produção arquitetônica, seus templos e suas colunas. Essas edificações foram construídas, não para cultos religiosos, como nos egípcios, mas para proteger do sol e da chuva, as esculturas de seus deuses. Os frontões, espécie de telhado que serviam para cobrir os templos, eram imensamente ornamentados com esculturas e também se destacam na arte grega clássica, além dos vasos e a pintura em cerâmica, que serviam para rituais religiosos, mas também para armazenar coisas como água, vinho, azeite e mantimentos. Esses vasos mais tarde passam a ser, com o trabalho de pintura que o decora, também um objeto artístico; suas pinturas representam cenas do quotidiano e cenas mitológicas, como é o caso do Vaso François, de Clítias (550 a.C.).

Os gregos irão aperfeiçoar essa pintura dos vasos. Se inicialmente a silhueta das figuras eram pintadas em negro sobre a cerâmica, mais tarde o pintor observa que esta ganharia maior vivacidade, ou seja um realismo maior, se o esquema das cores fosse invertido:  deixando as figuras na cor natural do barro e pintando o fundo de negro. São atitudes como essas que constituem e fundamentam o estilo clássico na arte ocidental: o aperfeiçoamento contínuo na representação expressamente mimética. A busca incansável pela verossimilhança, o forte desejo de naturalismo - marca principal da mentalidade clássica – é o conceito chave de representação trazido pelos antigos e essa estética, que Gombrich (p. 46) chama de “O milagre grego”, deixou o legado essencial, fundamentando a arte ocidental até hoje, embora tenha sido contestada paulatinamente pelos modernos.

O período helenístico (séc. III a.C.) remonta à história de Alexandre Magno, que construiu um enorme Império constituído de várias cidades-Estados da Grécia e que, com sua morte, fragmentou-se em vários reinos, significando enorme mescla cultural naquela região, pela junção dos valores gregos com os orientais. Esses povos e suas culturas, tão híbridas (daí o “ecletismo” que marcará forte presença no império romano), são chamados de helenísticos e duram até a conquista final de Roma. Embora esse acontecimento - o desaparecimento da pólis grega e sua independência, convertidos agora em reinos - signifique profundas alterações para a arte grega, um “crescente naturalismo” continua em vigor (GOMBRICH, p. 54).

Nas esculturas do séc. IV a.C., o ser humano passa a ser representado segundo suas emoções e estado de espírito. Surge, nesse período, também o nu feminino, como é o caso de Afrodite, de Praxíteles (cerca de 370 a.C.). Esses artistas do período helenístico acrescentam uma visível sensualidade à escultura, e mesmo uma dramaticidade que antes não se via (um soldado que carrega sua mulher desencarnada, uma mulher com asas abertas, indicando o desejo de vitória e outros - peças que falam, enfim, de “vida e morte, força e debilidade, nu e vestido”, e outros “contrastes”) (PROENÇA, pp. 34-35).

Outro aspecto relevante do período helenístico que reflete na arte grega, importa citar, é o sentimento individualista que a destruição da ideia de pólis acarretou para os novos cidadãos. Vivendo em reinos e não mais comunidades, os gregos deste período substituem o sentimento de cidadão por “sentimentos individualistas”. O reflexo disso na arquitetura, por exemplo, é que, a partir do séc. IV a.C., as moradias, antes modestas, passam a receber mais cuidado e ganham mais espaço e conforto – essa mudança também ocorre nos teatros, não só em sua arquitetura, como na primazia, que antes era do coro (coletividade) e agora é dos atores (individualidade) (PROENÇA, p. 36). Esses e outros acontecimentos na Grécia antiga, conclui-se, são de expressiva relevância e significam desdobramentos para a arte que perdurarão por séculos.

É a cidade de Atenas, segundo Gombrich (p. 48), “a mais importante na história da arte”, ele diz: “Foi aí, sobretudo, que a maior e mais surpreendente revolução em toda a história da arte produziu seus frutos” (idem).

Com respeito a estética nascida nesse ambiente, A. Hauser (p. 81), apresenta uma opinião semelhante, ao nos dizer que “o século V a.C. é uma das épocas da história da arte em que se realizaram as conquistas mais importantes e fecundas no campo do naturalismo”.

Apreciado por todo o Ocidente, o legado da arte grega perdurará no mundo das artes por longos séculos. Em sua obra célebre, Reflexões sobre a arte antiga, J. J. Winckelmann (1717-1768), o historiador de arte alemão e entusiasta da estética Neoclássica, que admirava a “nobre simplicidade e a serena grandeza das estátuas gregas” (p. 55) chega a afirmar, dois milênios mais tarde, que “o estudo das obras da Antiguidade” seria “o caminho mais curto” para se apreender a natureza e conhecer o belo perfeito (p. 47), isto é, seria mais eficaz do que observar a própria natureza e que “um trabalho bem sucedido” deve estar “em conformidade com o gosto genuíno da Antiguidade” (p. 63).

Esse modelo de arte clássica mudará somente quando Roma se tornar “a senhora do mundo” (GOMBRICH, 1988: 52). Os romanos mais interessados em narrar suas proezas e conquistas adotam, no lugar dos ideais de imitação fiel, as ideias de clareza e simplicidade (a utilidade). A religião se beneficiará fortemente do novo ideal: tendo como primado as preocupações espirituais e a necessidade de doutrinar um povo quase completamente analfabeto, ela se utilizará das imagens para realizar os ensinamentos, isto é, para narrar as passagens bíblicas, de modo que as pinturas, diz Gombrich (idem, p. 54), se convertem em escrita.

Os métodos de representação serão, portanto, mais simplificados, limitando-se ao simbólico e deixando o realismo em segundo plano.
Até o século IX a cultura greco-romana desaparecerá da Europa Ocidental; a evolução das artes e da cultura nesses séculos, diz o autor, é “praticamente nula”. É somente no período gótico, por volta do século XIII, que reaparecerá o interesse em buscar um realismo maior, “preparando” assim o resgate da arte clássica, que será virogosamente empreendido pelo Renascimento. (idem, p. 59).

            Ao observar os sistemas artísticos egípcio e grego, notamos que as dicotomias ou os contrastes que veremos seguir por toda a história da arte pouco variaram: realismo ou idealismo; foco na fé ou na razão; neste mundo ou no chamado pós-vida ou mesmo o clássico binômio “razão x emoção”. Em outras palavras: as sedimentações e as reações que se darão em toda a história da arte ocidental, nos parece, giraram sempre em torno do mesmo eixo, em torno desses aspectos e dessas dualidades, fundadas na mentalidade clássica.

Cada período contribui ao seu modo, particular, não tratando-se exatamente de rupturas, mas de refinamentos; é nesse movimento, podemos pensar, ora suspendendo, ora retomando determinadas práticas, que se forma a história, não só a da arte, como podemos ver através dela própria, mas para além disso a história da humanidade.

Nos chama atenção a constatação de fatos ocorridos na cultura clássica - base da cultura ocidental – que voltam, como lampejos, a ocorrer em outros momentos no curso longo da história. Podemos pensar que os gregos, isentos de uma rigidez ou mesmo uma prescrição religiosa, desenvolvem sua pesquisa estética com maior liberdade, atingindo níveis de elaboração muito avançados em relação aos egípcios. É curioso notar que isso também explica o paisagismo avançado dos países nórdicos da Europa (já nos séculos XVII e XVIII) em relação a outros países cuja produção artística esteve a serviço da igreja; curioso, não só por apresentar o fato como uma ocorrência cíclica, mas também por sugerir-nos que em ambos os casos a religiosidade parece mostrar-se, em certos aspectos, como um entrave na evolução estética, ao privilegiar o “além-mundo” (como diria Nietzsche), em detrimento do momento presente, ainda que haja, é irrefutável, inúmeras contribuições para a arte, advindas deste mesmo ambiente religioso.

O mesmo ocorre com o movimento impressionista. Ao desprender-se dos cânones historicamente seguidos, assim como os gregos passaram a representar a vida quotidiana (ao contrário dos egípcios, que privilegiam a representação de deuses e faraós), os jovens franceses substituem os deuses e nobres da pintura romântica pelas cenas triviais e os homens comuns, realizando, assim, uma inovação de mesma ordem. Tudo isso nos mostra, enfim, ocorrências da Antiguidade, isto é, da mentalidade clássica, repetindo-se ciclicamente em todos os tempos.

Esses e outros fatos, com efeito, corroboram a ideia da cultura clássica helênica como a base ou “o berço” da civilização ocidental.  Nossa impressão é confirmada pelas palavras de Hauser (p. 92) que, referindo-se aos gregos, nos diz: “A cultura ocidental, que se baseia na autoconsciência, auto-observação e na autocrítica, promana desse conceito de educação”. Mas, para além disso, à partir dessas associações, históricas, ficamos tentados a dar um passo ainda mais largo e assumir que a história da arte, nos conduzindo sempre a reflexões (inevitavelmente) de fundo filosófico, parece nos sugerir, e para citar Nietzsche mais uma vez (que era entusiasta da cultura helênica), o “eterno retorno” de que se constitui a história humana (nos comportamentos, nos fatos e nas reações, nos desejos e nas buscas, etc), conduzido pelos incessantes movimentos cíclicos que a história nos apresenta para, sobretudo, nos confirmar a transitoriedade e a impermanência de todas as coisas, vidas, sociedades, projetos e pensamentos - todavia, não sem fazer saltar aos olhos o tremendo valor, ao final, desses efêmeros instantes para a constituição do todo e do atemporal.



(Os três momentos da escultura grega - "arcaico", "clássico" e "helênico")





Bibliografia:

FISCHER, E. A necessidade da Arte. São Paulo, LTC,1987.
GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1988.
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. S. Paulo, Martins Fontes, 2003
PROENÇA, G. História da Arte. São Paulo, Ed. Ática, 2001.
WINCKELMANN J. J. Reflexões sobre a arte antiga. Porto Alegre, Movimento, 1975.


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