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terça-feira, 21 de abril de 2015

O Retiro no Matutu







Patrimônio do Matutu




Quem diria que o homem do século XXI buscaria as “limitações” do século XIX?
O Vale do Matutu, considerado um vale sagrado, fica na pequena cidade de Aiuruoca, no sul de Minas Gerais e o Retiro a que nos propusemos tinha como eixo os ensinamentos do yoga e da meditação, além do contato e da contemplação da natureza.

O exercício de interiorização que pode ser maior para uns, menor para outros, pode te levar a diferentes canais ou dimensões da mente, podendo ser mais ou menos agradável, revelador, superficial ou profundo, sem jamais, quero crer, te deixar indiferente.

Entre uma experiência e outra, me ocorreram ali algumas observações inquietantes sobre a minha sociedade (à parte a experiência espiritual) e o Patrimônio do Matutu, uma casa de hóspedes muito acolhedora, é sem dúvida a responsável por isso. 

Ali, as refeições diárias têm um cardápio de base lacto-vegetariana e os ingredientes utilizados são, quase todos, de produção local. A iluminação da casa é à luz de velas, dispensando a energia elétrica, tão perseguida outrora, e toda a parafernália tecnológica que nos intima, entre outras coisas, à banalidade da vida virtual, das redes sociais, etc. A bagagem dos hóspedes, que deixam seus carros a uns 2km de distância do local, é levada no lombo de simpáticos burrinhos. Os hóspedes? Usam suas próprias pernas e já começam ali mesmo uma espécie de peregrinação, como nos apontou Luiz, o proprietário do lugar.

O tempo ali vivido te convida a uma certa purificação da vida moderna. Aqueles três dias no Vale do Matutu me revelaram, em pequenos passos, o paradoxo do meu tempo. Foi curioso observar como, no auge da vertigem tecnológica de sua geração, o homem contemporâneo se encanta com os modos antigos. A rusticidade dos 1800 atrai o homem do ano 2000; nostálgico de tempos não vividos, ele se alegra em sentir o aconchego e os ares intimistas que oferecem um corredor parcamente iluminado pela chama do fogo ou o estalo da madeira no fogão à lenha.

O convívio mais próximo com a natureza, deixando aos sentidos os sinais mais primitivos, naturais da vida, em plena conexão com a Terra - acordar com a luz do sol e adormecer com o cair da noite, alimentar-se do que a terra dá (e isso exclui, absolutamente, o assassinato de qualquer animal), beber a água da cachoeira e andar com as próprias pernas são só alguns exemplos – nos permite lembrar do excesso que não precisamos e pensamos querer. É preciso estar perto para ver como estamos longe. Longe de nós mesmos, de nossa essência, nossa natureza mais profunda.

A ausência de energia elétrica e de conexão te liberta de acompanhar uma infinidade de informações que você não quer saber: o quotidiano desinteressante de alguém, a tragédia nos jornais que nada nos agrega ou as mensagens doutrinantes para o consumo e para o esvaziamento de quem você é ou poderia ser.  A própria alimentação, (quase) auto-sustentável, chama atenção para o fato de que você não precisa se submeter aos ingredientes suspeitos da indústria ou aos agrotóxicos de grandes produtores que, em poucos anos, muito provavelmente se revelarão um dos principais fatores a que se devem as estatísticas crescentes e assustadoras de pessoas diagnosticadas com câncer e outras doenças modernas, sem contar os milhares de animais que para isso morrem violentamente todos os dias, sem a menor necessidade.

São inúmeras as reflexões que, de um só golpe, o Patrimônio do Matutu, esse projeto de um casal paulista, que mantém o espaço há onze anos e cujo lema é “não atrapalhar” (a natureza), te convida a fazer. Ele nos revela, com efeito, de quanta bagagem poderíamos nos livrar; de quanta coisa pensamos precisar.

É assim que o homem moderno se encanta com essas atividades, os retiros ou o simples contato com a natureza. Provando uma volta a tempos mais leves, desprendidos de todo o histerismo da cultura materialista e high-tech, voltados para a simplicidade da sobrevivência, menos mecanizada e mais humanizada. Já chegou o tempo em que nos divertimos em pensar que as relações sociais nem sempre foram virtuais. E assim nos interessamos pelo homem de outrora, buscando um rastro de seus modos, nesses projetos que ainda prezam pelo convívio, entre homens e entre homem e planeta.

Pensamos com frequência sobre as benesses que a modernidade nos trouxe, há que se perguntar também pelo que ela nos tirou.  E de tudo, a grande perda deve ter sido a tranquilidade. Achamos que precisamos estar ultra informados, ultra inseridos, ultra capacitados, ultra queridos. Triste homem moderno...enfeitiçado pelos pseudo-amigos eletrônicos, enjaulado nas telas de vidro quando há rios e montanhas, um mundo em volta dele.

Essa experiência deixou ainda mais claro que na ultra-modernidade há um complexo dedicado exclusivamente em promover em nós um sentimento constante de incompletude, de ansiedade e depressão. Só somos ansiosos porque seguimos essa onda e escondemos de nós mesmos que precisamos, no fundo, de tão pouco para viver. E nos espantamos ao perceber que a vida já foi, um dia, o leve processo de viver...

Mas em meio a toda a confusão (planejada), vez ou outra nos desembaraçamos da cegueira e procuramos um retiro, seja em grupo, seja individual, para ir ao encontro da simplicidade de nossos ancestrais que, naturalmente, durará tão pouco: uma fogueira, um céu estrelado, uma conversa real ou um livro (impresso)... isso tudo, às vezes, comove.

E o que diria um homem do século XIX se nos visse buscando, depois de toda a corrida tecnológica, toda a instrumentação adquirida nos últimos 150 anos, um retorno à simplicidade dos velhos tempos? 

Somos nostalgicamente paradoxais...e isso é um bom sinal!







3 comentários:

  1. Fernanda, Boa descrição desses nossos dias retirados... em contato com o essencial, natural espiritual. Simplicidade é tudo!
    Esse casal de São Paulo me encantou ... muito capricho nos detalhes da construção, dos serviços e da culinária. Escolher viver ali sem atrapalhar a natureza magnifica daquele lugar, construindo um outro mundo, possível !! Claudia Grangeiro

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    1. Pois é...um fim de semana tão curto e um aprendizado tão grande! :)

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