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domingo, 16 de novembro de 2014

O valor da Tropicália.



Você conhece as origens, os propósitos e as conquistas dos Tropicalistas?
Ao som de Alegria Alegria, de Caetano Veloso (ouça aqui), te convido a dar uma rápida "espiadela" nesse episódio significativo da cultura brasileira.

O Tropicalismo, também conhecido por Movimento Tropicalista, surge em meados da década de 1960, formando um movimento cultural brasileiro que, sob a influência de correntes artísticas de vanguarda, mistura manifestações tradicionais da cultura brasileira gerando, assim, uma estética radicalmente inovadora.

Durante a década de 1960, são quatro as grandes tendências que constituem a música popular brasileira: há os herdeiros da Bossa Nova (como Chico Buarque); os artistas da chamada “Canção de Protesto”, que recusam os elementos da música pop estrangeira e que viam a canção como instrumento de crítica política e social (como Geraldo Vandré); os artistas da Jovem Guarda (Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia), influenciados pelo rock inglês e norte-americano (conhecidos no Brasil como “iê-iê-iê”) e; finalmente, um grupo mais voltado para experimentações estéticas, os Tropicalistas.


Os principais nomes ligados ao Tropicalismo são: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes, Rita Lee, Tom Zé, Arnaldo Batista, Jorge Ben Jor, entre outros. Mas o movimento não limita-se ao campo musical. A década de 1960 sofria intensa transformação cultural, sobretudo como um produto das imposições e brutalidade do regime militar no Brasil. No cinema destaca-se Glauber Rocha e sua obra Terra em Transe, onde são tecidas críticas ao cenário sócio-político, nas artes plásticas Hélio Oiticica muda o rumo da estética, José Celso Martinez Corrêa inova o espaço cênico no Teatro Brasileiro, ao montar O Rei da Vela de Oswald de Andrade, entre muitos outros exemplos.


O começo do Tropicalismo se dá com a reunião de uma série de artistas baianos, no contexto do Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela Rede Record em São Paulo e Globo no Rio de Janeiro. As interpretações de “Alegria, Alegria” de Caetano Veloso, ao lado de “Domingo no Parque” interpretada por Gilberto Gil, na companhia de Os Mutantes, no ano de 1966, dão ensejo para a definição do Movimento Tropicalista. No ano seguinte, em 1967, o festival foi integralmente considerado tropicalista e neste mesmo ano foi lançado o disco Tropicália ou Panis et Circense, que pode ser considerado como um manifesto do grupo ou algo similar a isso. Em 1966 Caetano Veloso declara que entre suas esperanças a maior delas era a de “regenerar o tecido da MPB”.



As influências do Movimento



As transformações propostas pelo Tropicalismo apresentam ressonâncias do Movimento Antropofágico, formado por Mario de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Anita Malfatti, Pagu e outros, nos anos de 1920 e 1930.

Digerir a cultura exportada pelas potências culturais europeia e norte-americana, para regurgitá-las após serem mescladas com a cultura popular e identidade nacional é ponto comum entre os movimentos, com a diferença de que, no Tropicalismo, além da cultura erudita, digere-se também a popular. Assim, a proposta no tropicalismo consistia em deglutir todas as tendências do entorno, sem critério, sem exceção.


O Tropicalismo também apresenta-se como desdobramento do Concretismo, dos anos 1950, especialmente na poesia concretista, isto é, havia, entre outras coisas, uma preocupação de tratar os versos como um elemento plástico a ser moldado, alterado, criando jogos linguísticos como um reflexo claro do Concretismo.



As Características Estéticas



Musicalmente, o tropicalismo pode ser visto como uma mescla de cultura popular, música erudita e rock psicodélico, além de “cultura brega” citada por alguns como característica do movimento. Com essa composição, o grupo dará conta de realizar diversas manifestações da cultura nacional. O som do violino, somado à guitarra elétrica e os berimbaus resgatavam a essência do que fora proposto por Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropofágico: o retorno às raízes das tradições nacionais.

O grupo caracterizava-se também pelo excesso. As roupas coloridas e os cabelos compridos, as várias influências musicais agregadas em uma única melodia por vezes chocavam, sobretudo pelo ineditismo, e a violência estética das performances acabavam por protestar contra a música brasileira “bem comportada”, se assim pudermos chamar. Influenciados pela contracultura, esses artistas se utilizam, por vezes, de uma linguagem de paródia e de deboche.








Ao mesmo tempo, as letras das canções eram inovadoras, além de codificadas – uma demanda de tempos de ditadura – e por isso exigiam certa bagagem cultural para que fossem compreendidas, muito provavelmente razão pela qual a recepção nem sempre era positiva, sobretudo em suas primeiras apresentações. "Alegria, Alegria" de Caetano Veloso, ao primeiro contato, não tem um sentido óbvio, mas carrega em sua letra preocupações típicas da juventude da década de 60: um tormento com a violência da ditadura e um desejo de inovar e de romper barreiras.








O Fim do Movimento



Em 1969, Os Mutantes ainda realizaram seu último concerto com Caetano e Gil, mas durante um espetáculo ocorrido em uma boate carioca, “Sucata”, ocorreu o famoso incidente da bandeira nacional que, aos olhos dos militares, significou um desrespeito. A bandeira teria sido pendurada no palco com a inscrição “Seja Marginal, Seja Herói” e a imagem de um traficante famoso da época (“Cara de Cavalo”) e que fora assassinado, violentamente, pela polícia. Esta imagem, na verdade, era uma obra de Hélio Oiticica. Além disso, Caetano Veloso teria cantado o Hino Nacional, inserindo nele versos ofensivos às Forças Armadas.






Isso deu motivos para os militares suspenderem a apresentação e mesmo prenderem Caetano e Gil que, posteriormente, foram soltos e exilados no Reino Unido. Esse episódio ficou marcado como o fim do movimento vanguardista, contudo, seus integrantes deram continuidade as suas carreiras, obtendo sucesso e popularidade nas décadas seguintes, e até os dias de hoje. A importância inconteste desse movimento, entre outras coisas, é a de ter despertado, quarenta anos depois, o projeto modernista da Semana de arte moderna de 1922, dando continuidade aos seus princípios básicos, agregando um novo elemento: inserir TODA  a cultura, a local, a popular e a erudita, a estrangeira, a cosmopolita e a regional, etc. Serviu também para nos lembrar de um período importante do nosso desenvolvimento como povo e como nação, no âmbito artístico-cultural; para chamar nossa atenção para o que já foi feito, deu trabalho e não deve ser esquecido; para nos lembrar que olhar para trás é olhar para frente. 




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